Londres – O Superior Tribunal britânico deu nesta quarta-feira (26) a Julian Assange o direito de mais uma audiência para tentar reverter as decisões de julgamentos anteriores determinando que ele seja extraditado para os EUA, onde responde a 18 processos movidos pelo Departamento de Justiça devido à publicação de documentos secretos sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão – mas com algumas condições que podem fazer com que a sessão nem aconteça. 

Os juízes entenderam que Assange pode prosseguir com o recurso na audiência plena, a não ser que antes disso o Reino Unido e os EUA forneçam “garantias satisfatórias” sobre se ele poderia confiar na Primeira Emenda da Constituição dos EUA (que garante liberdade de expressão); se ele poderia ser prejudicado em um julgamento devido à sua nacionalidade (motivo para que alguns direitos assegurados a cidadãos americanos não sejam dados a ele), e se poderia estar sujeito a uma sentença de pena de morte. 

A sentença, resultado da avaliação de um painel formado por dois juízes, foi publicada no site do tribunal quatro semanas após dois dias de audiências para analisar se ele teria direito a apresentar mais um recurso. A nova audiência foi marcada para 20 de maio, mas ela pode não acontecer se em três semanas as garantias forem aceitas pela justiça. 

Os juízes Victoria Sharp e Jeremy Johnson rejeitaram o pedido da defesa para novo julgamento de seis outros fundamentos, incluindo o de que Julian Assante estaria sendo processado por opiniões políticas e a de que planos de sequestrá-lo na embaixada do Equador, onde ficou asilado, seriam relevantes para o processo de extradição. 

A mulher do fundador do Wikileaks, Stella, que integra a equipe de defesa, tem dito repetidamente em entrevistas achar que ele não resistirá vivo na prisão. Uma das justificativas da defesa para evitar a ida para os EUA é o risco de suicídio, ou de deterioração ainda maior de sua saúde, já debilitada. 

Falando diante do tribunal, ela considerou a nova sentença “surpreendente”, por não ter negado a extradição como pedia a defesa. Para Stella, o tribunal deu aos EUA a oportunidade de uma intervenção política, adiando a decisão, e mantendo-o sob o risco de pena de morte. 

Ela afirma que Julian Assange é um preso político, e voltou a apelar para que a administração de Joe Biden retire as acusações e encerre os processos. 

O caso de Assange, 52 anos, é considerado um marco na liberdade de imprensa por envolver a divulgação de informações de interesse da sociedade. 

Ele está preso desde 2019 na penitenciária Belmarsh, em Londres, para onde foi levado depois de perder o asilo político na embaixada do Equador, onde passou quase sete anos. Se a nova audiência não fosse autorizada, ele poderia ser levado para os EUA a qualquer momento. 

Desde o início da manhã, ativistas que defendem a libertação de Assange e a retirada das acusações contra ele, representantes de ONGs de direitos humanos e liberdade de imprensa, os diretores do site Wikileaks e a mulher de Assange, Stella, e um batalhão de jornalistas aguardavam a notícia em frente à sede do Tribunal Superior, no centro de Londres. 

Um dos caminhos para evitar a extradição seria o Reino Unido e os EUA aceitarem o pedido oficial da Austrália para que Assange seja levado para lá, já que ele é cidadão do país. Várias manifestações foram feitas na Austrália hoje. 

Houve ainda uma informação não confirmada, publicada pelo The Wall Street Journal, de que os EUA poderiam aceitar um acordo em que Julian Assange admitiria culpa em crimes menores, e poderia ser libertado por já ter cumprido parte da pena enquanto o processo tramitava, mas essa informação não foi confirmada pela defesa. 

A presidente da Federação Internacional de Jornalistas, Dominique Pradalié, foi uma das que recebeu com esperança a possibilidade de “uma avaliação mais aprofundada do caso”, lembrando que  “desde que as acusações contra Julian Assange foram publicadas, ficou claro o perigo significativo para jornalistas de todo o mundo”.

Rebecca Vincent, diretora global de campanhas da Repórteres Sem Fronteiras, disse que a permissão para recorrer representa uma esperança final de justiça no Reino Unido, mas lamentou que pela segunda vez, os tribunais do país caminhem para julgar o caso à luz de garantias dos EUA e não dos argumentos jurídicos, “sublinhando mais uma vez a natureza política do caso”.

Entenda o julgamento de Julian Assange e por que ele pode ser extraditado 

O caso Assange está ligado à  publicação no WikiLeaks em 2010 de mais de 250 mil documentos militares e diplomáticos confidenciais vazados, conhecidos como Cablegate, o Diário da Guerra do Afeganistão e os Registros da Guerra do Iraque.

Entre eles está um vídeo mostrando um ataque contra civis, em que morreram dois jornalistas da agência Reuters. Ao todo são 18 processos – 17 pela  Lei de Espionagem e uma pela Lei de Fraude e Abuso Informático. 

Embora Assange tenha permanecido na embaixada do Equador em Londres durante a presidência de Barack Obama, foi o Departamento de Justiça sob Donald Trump que apresentou a acusação contra ele e começou a tentar ativamente a sua extradição.

Quando o presidente Joe Biden assumiu o cargo, o Departamento de Justiça continuou a apresentar recursos seguidos, após a decisão de primeira instância do tribunal do Reino Unido, em janeiro de 2021, para impedir a extradição de Assange por motivos de saúde mental – uma decisão que foi posteriormente anulada em um julgamento no Tribunal de Recursos. 

A organização Repórteres Sem Fronteiras salienta que Assange não é cidadão americano, nunca viveu nos EUA e não tem quaisquer laços significativos com os EUA. Ele é um cidadão australiano que vivia e trabalhava em Londres quando o governo dos EUA abriu o processo contra ele. 

“A extradição de Assange estabeleceria um precedente perigoso que poderia colocar em risco outros editores e jornalistas em todo o mundo, independentemente da cidadania.

É preocupante que o governo dos EUA também tenha declarado que as proteções da Primeira Emenda não se aplicarão a Assange como não-cidadão.”

No entendimento da Repórteres Sem Fronteiras, Assange desempenhou um papel diferente do de um denunciante; ele próprio não vazou informações confidenciais, mas publicou informações que foram vazadas para ele: 

“A pessoa que divulgou a informação, a ex-analista do Exército Chelsea Manning, já cumpriu mais de sete anos de prisão até o então presidente Barack Obama comutar a sua sentença de 35 anos, afirmando que era “muito desproporcional em relação ao que outras fontes de informação receberam”.

Se extraditado para os EUA, Assange seria o primeiro editor julgado pela da Lei da Espionagem, que carece de defesa do interesse público, o que significa que qualquer pessoa acusada desta forma não pode defender-se suficientemente. 

Julian Assange é  jornalista? 

Existem muitas opiniões diferentes sobre o status de Assange como jornalista, editor de notícias ou fonte jornalística, reconhece a RSF. Mas para a organização – e todas as demais que defendem a liberdade de imprensa, unânimes na defesa do fundador do Wikileakso que mais importa é a razão pela qual Assange foi alvo e as implicações da sua extradição e acusação.

“A RSF defende Assange por causa das suas contribuições para o jornalismo, uma vez que a publicação dos documentos confidenciais pelo WikiLeaks serviu como subsídio para extensas reportagens de interesse público em todo o mundo.

A condenação de Assange teria impacto no futuro do jornalismo em todo o mundo e sobre o direito de saber, salienta a Repórteres Sem Fronteiras.

“Ele seria o primeiro editor julgado ao abrigo da Lei de Espionagem dos EUA, que carece de defesa do interesse público e necessita urgentemente de reforma. A sua condenação abriria caminho a processos semelhantes contra outros que publicam reportagens baseadas em informações confidenciais vazadas, estabelecendo um precedente perigoso para o jornalismo.

Isto colocaria em risco muitas organizações de comunicação e jornalistas e criaria um efeito inibidor nas reportagens de interesse público. O impacto final seria no direito do público de saber.”

A Repórteres Sem Fronteiras afirma que Assange nunca colocou ninguém em risco intencionalmente e procurou proativamente proteção para qualquer pessoa que pudesse ser prejudicada como resultado da publicação do conjunto de dados não editado, numa situação incomum que estava fora do seu controle.

“Não foi o WikiLeaks quem inicialmente publicou o conjunto de dados não editados e, quando Assange soube que a publicação estava prestes a acontecer, instou o governo dos EUA a tomar medidas para proteger qualquer pessoa que pudesse ser prejudicada. O WikiLeaks trabalhou em parceria com uma coalizão de organizações de mídia profissionais – The New York Times , The Guardian , Le Monde , Der Spiegel e El Pais – para tratar jornalisticamente as informações vazadas.

A senha foi divulgada publicamente por um dos parceiros de mídia e outras partes obtiveram acesso e publicaram o conjunto de dados não editado. Posteriormente, o WikiLeaks republicou o conjunto de dados. O Departamento de Justiça nunca processou ninguém que tenha publicado o conjunto de dados, exceto Assange. Até agora, o governo dos EUA não apresentou provas de qualquer dano real causado a qualquer pessoa como resultado da publicação.”

Riscos à segurança e violações de direitos humanos 

Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, Julian Assange continuou a ser um alvo ativo do governo dos EUA e dos seus representantes ao longo dos seus anos na embaixada do Equador em Londres, e este é um dos argumentos para que não seja extraditado. 

Uma reportagem investigativa publicada pela primeira vez no YahooNews expôs discussões de funcionários da CIA sob a administração Trump propondo o possível sequestro ou assassinato de Assange.

“Assange e os seus visitantes – incluindo a sua equipa jurídica e jornalistas – foram ativamente vigiados por uma empresa de segurança espanhola contratada para fornecer segurança à embaixada. O Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária concluiu que o período de Assange na embaixada do Equador constituiu detenção arbitrária, e o antigo Relator Especial da ONU para a Tortura concluiu que Assange apresentava sintomas de exposição prolongada à tortura psicológica.

Depois de quase sete anos, a embaixada acabou por entregar Assange, permitindo que a polícia do Reino Unido o prendesse, e funcionários do governo equatoriano fizeram alegações de comportamentos absurdos de Assange durante o seu tempo na embaixada, o que alimentou intensas difamações contra ele nos meios de comunicação.

Os funcionários da embaixada também teriam removido a navalha de barba de Assange várias semanas antes, resultando na sua aparência desleixada nas fotos tiradas durante a sua remoção forçada da embaixada e prisão, que permanecem em frequente circulação na mídia como suas últimas fotos públicas, disse a organização. 

Assange enfrentou extensas violações dos seus direitos humanos no caso do governo dos EUA contra ele, na sua vigilância na embaixada do Equador e no seu tratamento pelos tribunais e sistema prisional do Reino Unido, afirmam a Repórteres Sem Fronteiras e outras organizações como a Anistia Internacional.

“Ao visar Assange e nenhum outro editor para a republicação do conjunto de dados não editados em 2010 e ao persegui-lo incansavelmente durante 13 anos, o governo dos EUA destacou-o para perseguição legal. Na embaixada do Equador, as conversas legalmente privilegiadas de Assange com os seus advogados foram vigiadas e os jornalistas que o visitaram tiveram os seus dispositivos adulterados.

Na prisão de Belmarsh, durante um longo período durante a pandemia de Covid 19, os direitos de visita de Assange foram totalmente suspensos e ele foi por vezes confinado totalmente na sua cela devido a infecções de Covid no seu bloco prisional. Durante o seu processo de extradição, Assange foi excessivamente revistado, de uma forma aparentemente punitiva, e teve documentos legalmente privilegiados confiscados por funcionários penitenciários.

Apesar de ter pedido para comparecer pessoalmente em tribunal em todas as audiências, Assange não foi autorizado a fazê-lo desde a audiência de fiança em 6 de janeiro de 2021, apenas sendo autorizado a participar remotamente a partir de uma ligação de vídeo na prisão.”