Londres – Depois de uma onda de atos de intimidação e até de violência cometidos contra jornalistas de um canal iraniano baseado em Londres considerado subversivo pelo regime, uma rede independente de notícias sobre o Afeganistão também com sede na capital britânica e operada pela mesma empresa virou alvo do governo Talibã.
A Comissão de Reclamações de Meios de Comunicação e Violações de Direitos do Talibã, que governa o Afeganistão desde 2021, publicou no dia 8 de maio uma resolução proibindo jornalistas, analistas e especialistas de participarem de debates ou cooperarem com a rede de TV e rádio Afghanistan Internacional, baseada em Londres.
A Comissão determinou aos cidadãos que boicotassem a rede e proibiu as pessoas de fornecerem recursos para a transmissão do canal em locais públicos dentro do país.
Rede foi criada pouco antes de o Talibã assumir o controle do Afeganistão
De propriedade da empresa independente Volant Media, também dona da Iran International, a Afghanistan Internacional transmite sua programação a partir de de Londres e Washington, via satélite, canais a cabo e mídias sociais. Seu site e canais oferecem conteúdo nos idiomas inglês, dari e pashto.
A rede começou a transmitir em 14 de agosto de 2021, um dia antes de a capital, Cabul, cair nas mãos do Talibã.
Uma pesquisa feita em dezembro pela BBC Media Action identificou a Afghanistan Internacional como o canal de televisão internacional mais popular do país.
Segundo o texto da medida publicada pelo governo, o canal “comete violações profissionais, falsifica informações, encoraja preconceitos étnicos e regionais, viola os valores afegãos e produz conteúdo contra o regime talibã e que ajuda os opositores do grupo”, informou o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ).
“O Talibã deve suspender imediatamente a proibição de jornalistas trabalharem com a emissora Afghanistan Internacional e permitir aos cidadãos afegãos acesso irrestrito às notícias produzidas pelo popular meio de comunicação com sede em Londres, sem medo de represálias”, disse o coordenador do CPJ para a Ásia, Beh Lih Yi.
“O Talibã deve parar de usar a comissão de reclamações da mídia como uma ferramenta para impor uma censura ainda mais severa aos meios de comunicação afegãos e à imprensa na diáspora. Estas restrições à liberdade de informação devem terminar imediatamente.”
Diretor da rede diz que restrições do Talibã não afetam operações
Harun Najafizada, diretor da TV Internacional do Afeganistão, disse ao CPJ que os resultados da pesquisa BBC Media Action mostrando a popularidade do canal dentro do país podem ter influenciado a decisão do Talibã. Mas segundo o diretor, as restrições impostas na medida editada em 8 de maio não afetarão as operações da rede.
“Várias fontes internas do grupo Talibã continuam a cooperar conosco”, disse ele, referindo-se a membros do próprio governo que divulgam informações confidenciais sobre o grupo islâmico à estação de televisão.
“Não temos funcionários ou freelancers trabalhando em campo no Afeganistão, mas o canal continua acessível a todos: aos membros do Talibã, aos simpatizantes, aos especialistas que estão no Afeganistão e aos ativistas”, disse.
No entanto os riscos são aumentados para os espectadores locais e para pessoas comuns ou fontes especializadas entrevistadas, mesmo que remotamente por jornalistas baseados fora do Afeganistão.
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Ameaças à Iran International
A rede Iran International, do mesmo grupo dono da rede afegã, também transmite programação a partir de Londres, e passou a sofrer ameaças graves depois dos protestos que tomaram conta do Irã em consequência da morte da jovem curda Mahsa Amini, em 2022.
Alertada pelo governo britânico de que havia um plano de atentado contra suas instalações e seus profissionais, em 2022, o canal mudou-se temporariamente para Washington e retornou seis meses depois em um local mais seguro, com proteção sob orientação das autoridades.
Entretanto, as medidas não foram suficientes. Em março, o âncora Pouria Zeraati foi esfaqueado diante de casa, quando saía para o trabalho. Ele sobreviveu ao ataque e os agressores fugiram do país imediatamente após o ato, sem serem capturados.
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Fechamento de rádios e TVs no Afeganistão
Desde que o Talibã tomou o poder, a maioria dos veículos de imprensa independentes fechou voluntariamente ou foi fechada pelo governo, enquanto jornalistas fugiram em massa do Afeganistão. No entanto, alguns são perseguidos mesmo fora do país.
Em abril, o jornalista afegão exilado Ahmad Hanayesh foi baleado em uma área residencial da capital do Paquistão, Islamabad, segundo informações do Centro de Jornalistas do Afeganistão e da imprensa paquistanesa. Ele sofreu ferimentos na cabeça e nas pernas.
Entre os canais fechados no Afeganistão estão a Rádio Nasim, na província central de Daikundi, a Rádio e TV Hamisha Bahar, na província oriental de Nangarhar e a Rádio Sada Banowan, na província de Badakhshan.
Em 2022, o Talibã também proibiu as operações de emissoras internacionais, como a Radio Free Europe/Radio Liberty, financiada pelo Congresso dos EUA, e a Voice of America.
Em 17 de abril, a Comissão de Reclamações dos Meios de Comunicação Social e Violações de Direitos mandou encerrar o funcionamento das emissoras independentes Noor TV e Barya TV, citando violações de “valores nacionais e islâmicos”.
O Afeganistão caiu 26 posições este ano no Global Press Freedom Index da organização de liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras, publicado em 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. O país ocupava o 152º e agora está em 178º em uma lista com 180 nações.
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