Londres – Depois de derrubar estátuas de personagens históricos ligados à escravidão ou ao colonialismo, a onda revisionista chega agora aos pássaros e aos insetos. Também estão na mira as espécies cujos nomes são considerados ofensivos a minorias, como os ciganos, povos indígenas e asiáticos.

A iniciativa começou nos Estados Unidos no ano passado e já cruzou o Atlântico, movimentando agora o Reino Unido, onde vários nomes de espécies também passaram a ser questionados.

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Eles estão em ótima companhia, pois alunos da Universidade de Oxford “cancelaram” a Rainha Elizabeth II em junho, votando para remover um retrato da monarca de uma sala de convivência.

A marcação cerrada com as aves começou com uma petição de ativistas norte-americanos pedindo a remoção de nomes de pássaros homônimos que homenageiam os colonialistas que os descobriram.

Os ativistas argumentam que os nomes das novas espécies foram dados em homenagem aos representantes das potências europeias que colonizaram o mundo e que permanecem até hoje como “estátuas verbais” que também devem cair, no caso daqueles com histórias de vida desabonadoras.

Nome de general confederado foi cancelado

O grupo que pede as mudanças, Bird Names for Birders, recebeu milhares de assinaturas em uma petição pedindo a remoção de “nomes colonizadores nocivos” de espécies.  A luta já conseguiu abater pelo menos o nome do general confederado John McCown, que saiu para sempre dos livros de ornitologia como referência do pássaro que batizava.

Outro que deve seguir o mesmo caminho é John Kirk Townsend, por enquanto ainda eternizado no nome de um pássaro (Towsend’s warbler).

Os ativistas não perdoam as revelações de seus diários, que detalham invasões de cemitérios de nativos americanos no início do século 19 e a escavação em busca de crânios para estudos científicos.

A discussão tem aumentado tanto de volume que fala-se até em rebatizar a National Audubon Society, uma das primeiras organizações de conservação da natureza do mundo, fundada em 1905. Tudo por causa dos vínculos com a escravidão de quem lhe dá o nome, o ornitólogo franco-americano John James Audubon, que se notabilizou pela publicação da obra Birds of America entre 1827 e 1834.

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Ave e insetos tiveram nomes mudados para não ofender minorias

Outra espécie de pássaro, anteriormente conhecida como oldsquaw, foi rebatizada simplesmente como “long-tailed duck” (pato de cauda longa), já que o termo “squaw” é considerado ofensivo contra grupos indígenas nos Estados Unidos, especialmente contra as mulheres.

Nessa toada sobrou também para os insetos. As gispsy moths e as gipsy ants (mariposas e formigas ciganas) foram rebatizadas pela Entomological Society of America (ESA), que concluiu que alguns nomes, como o termo “gipsy”, podem ser inadequados ou ofensivos.

Outros três insetos, cujos nomes fazem referência aos asiáticos (Oriental rat flea, Asian needle ant e West Indian cane weevil) passam neste momento pela revisão da ESA.

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Reino Unido opta pela conscientização sobre os nomes

Embora ainda nenhum nome tenha sido alterado no Reino Unido, desde novembro passado a Royal Society for the Protection of Birds engajou-se na discussão do tema.

A entidade convidou o Flock Together, um coletivo de observação de pássaros sediado em Londres, a assumir sua conta oficial no Instagram para aumentar a conscientização sobre “nomes problemáticos de pássaros ”. A estratégia é fazer com que a história completa de cada nome seja melhor explicada.

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Mas um dos fundadores do grupo, Nadeem Perera, 27, disse ao jornal The Telegraph que ficaria feliz em ver alguns nomes mudarem:

“Em um nível pessoal, não gostaria de ver o nome de qualquer ser humano sendo dado a um animal. Eu gostaria de ver a natureza descrita por sua conta, não em termos de história humana.”

Pesquisador britânico é contra mudança de nomes

O pesquisador britânico Bo Bealey, de 72 anos, uma das maiores autoridades do assunto e coautor do The Eponym Dictionary of Birds, acredita que os nomes dos pássaros não devam ser renomeados.

Em entrevista ao The Telegraph, ele comparou os nomes que se pretendem mudar a estátuas tombadas, embora reconheça haver “centenas deles ligados a personagens duvidosos”:

“Eu poderia citar um pedófilo condenado, vários assassinos, nazistas e racistas muito proeminentes, sem falar daqueles que intencionalmente massacraram outras pessoas.

Há um grande número de colonialistas que não eram boas pessoas.”

Bealey acredita que em vez de renomear os pássaros, seria muito melhor fornecer mais detalhes explicativos sobre os nomes e defende que “reescrever a história é uma coisa muito perigosa”:

“Teríamos que renomear não apenas os pássaros, mas toda uma infinidade de coisas que assumiram o nome de alguém.

Você teria que passar tudo por um pente fino e descobrir que está derrubando um grande número de pessoas porque eram colonialistas e ignorantemente racistas, como a maioria das pessoas no poder no século 19 .”

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As histórias bizarras por trás dos nomes de alguns dos pássaros britânicos

Vários nomes de pássaros têm sido debatidos nos últimos meses no Reino Unido devido às histórias bizarras de quem os batizou.

A homenagem ao zoólogo britânico do século 19, Edward Blyth (que dá nome ao Blyth’s reed warbler) é criticada porque ele negociava animais selvagens na Índia para financiar seu trabalho ornitológico.

Da mesma forma, sobram críticas à homenagem ao oficial do exército britânico General Thomas MacQueen (eternizado no MacQueen’s bustard), que coletou animais em toda a Índia. Ele atirou e matou um dos pássaros, que mais tarde doou ao Museu de História Natural – o que era uma prática comum na época.

O Jameson’s firefinch é um dos três pássaros nomeados em homenagem ao explorador do século 19 James Sligo Jameson (da famosa dinastia do uísque).

Em seus diários, ele descreve a expedição para explorar a bacia do rio Congo, onde liderou uma marcha forçada de nativos e comprou uma menina de 10 anos.

Já o Wallace’s owlet-nightjar homenageia, junto com outros cinco pássaros, o naturalista Alfred Russel Wallace, que contribuiu para a teoria da evolução natural. O questionamento se deve ao fato de em seus diários ele usar frequentemente um tratamento ofensivo aos negros (comum na época). Wallace também descreve como atirou em “uma mulher selvagem da floresta”.

O fato ocorreu durante uma expedição ao arquipélago malaio em 1855 e os historiadores avaliam se ele de fato estaria se referindo a um orangotango.

Até o maior naturalista da atualidade estaria em risco no futuro?

A naturalista britânica Barbara Mearns, autora de vários livros, também é contra uma mudança generalizada, embora abra exceções para a “remoção de alguns dos piores criminosos”.

Ela ressalta que eliminar personagens da história porque eles não se enquadram em um código moderno de moralidade pode se tornar um jogo perigoso.

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Citando o maior naturalista da atualidade, o britânico David Attenborough, autor de vários livros e documentários e que batizou várias espécies, ela pergunta o que pode acontecer com suas descobertas no futuro:

“Com o passar do tempo, ocorrerão iniciativas para remover os nomes ligados a Attenborough devido às suas extensas viagens aéreas?

Por que politizar demais a ornitologia? Seria melhor tratar os nomes como acidentes da história e trabalharmos juntos para proteger os pássaros.”

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