Londres – Dizer que Papai Noel existe ou cumprir o mandamento de “não mentirás”? Essa polêmica vem dominando as redes sociais italianas desde segunda-feira (6) e ganhou o mundo ontem (11), depois que a diocese católica romana de Noto, na Sicília, pediu desculpas públicas por seu bispo afirmar que Papai Noel não existe.

Em tempos dominados pelas mídias sociais, foi mais forte o apelo de “não contrariarás os trending topics”.

O pedido de desculpas aliviou a pressão de pais indignados, que no caso em questão nem tinham como se queixar ao bispo, já que foi o próprio, monsenhor Antonio Staglianò, quem disse às suas crianças que Papai Noel “é um personagem imaginário, inventado numa campanha publicitária da Coca-Cola, que leva presentes apenas a quem tem dinheiro”.

Declaração de que Papai Noel não existe aconteceu no Dia de São Nicolau

 A história colocou a assessoria de imprensa da diocese na inusitada situação de ter que se desculpar por um de seus representantes  ter falado a verdade, e não mentido, como acontece na maioria dos casos em que assessores precisam intervir.

O bispo Staglianò é um dos delegados da Conferência episcopal siciliana para a Imigração, com uma atuação muito voltada para os refugiados. Sua diocese fica na província de Siracusa, bem ao sul da ilha da Sicília, ponto por onde os migrantes vindos de barco da África chegam à Itália.

Na segunda-feira 6 de dezembro, quando se comemora o dia de São Nicolau, santo que inspirou a criação da figura de Papai Noel, o bispo falou a alunos de escolas primárias de Noto, durante um festival local.

Suas palavras não foram bem aceitas pelos pais das crianças e por muitos fiéis, que censuraram sua atitude, que estaria “substituindo o papel da família”. O caso também serviu de inspiração para muitos cartunistas, como o do jornal La Repubblica, um dos principais da Itália.

Na charge, ao dizer a Papai Noel (chamado de Babbo Natale na Itália) que estão pensando nele para presidente do país, por ser uma figura suprapartidária, institucional e querida por todos, um interlocutor recebe dele a seguinte resposta:

“De fato, eu não existo.”

Bispo explica que tentou diferenciar importância do que é real do que não é

Em entrevista justamente ao La Repubblica, o bispo disse que tentava enfatizar às crianças a importância do que é real. 

Para tanto, usou como exemplo as figuras de São Nicolau (ou Santa Claus na tradição anglo-saxã), que distribuía doações aos necessitados e por isso foi perseguido por um imperador romano, e a figura de Papai Noel, criado pela Coca-Cola inspirado nele, mas com uma roupa vermelha da cor da marca para distribuir presentes às crianças. Seu pecado capital foi ter atacado o capitalismo:

“Tentava explicar como o consumismo representado pelos presentes é diferente da cultura original da doação”.

Campanha da Coca-Cola (reprodução)

Na entrevista em que justificou porque disse a crianças que Papai Noel não existe, o bispo enfatizou que o presépio foi reduzido a um elemento de decoração e que a atmosfera de luzes e shopping tomou o lugar da verdadeira mensagem do Natal, que estaria nas condições em que o menino Jesus nasceu.

Fazendo alusão aos refugiados atuais, monsenhor Staglianò disse que “o nascimento de Cristo hoje se reproduz nos partos das mulheres migrantes em barcos no meio do mar” e que a mensagem que quis passar para as crianças era a de que explicassem aos pais “que ninguém mais deve nascer nas condições em que nasceu Jesus”.

Mensagem de Natal mal recebida

Apesar do dito de que “quem fala a verdade não merece castigo”, a mensagem do bispo parece ter sido recebida de forma incompleta pelos pais, apenas no tocante ao ataque à figura de Papai Noel.

Com pouco mais de 20 mil habitantes, a cidade de Noto logo reagiu pelas mídias sociais e as críticas logo  alcançaram as manchetes da grande imprensa italiana.

Ao longo da semana o caso tomou tamanha proporção que foi necessária a intervenção do assessor de comunicação da diocese de Noto, reverendo Alessandro Paolino, que publicou o pedido de desculpas na página diocesana do Facebook:

“Em primeiro lugar, em nome do bispo, expresso minha tristeza por esta declaração, que criou decepção nos pequenos, e quero especificar que as intenções de monsenhor Staglianò eram bem diferentes. Certamente não devemos demolir a imaginação das crianças, mas tirar bons exemplos dela que sejam positivos para a vida”.

Vinde a mim as criancinhas

A tentativa de reconciliação não obteve unanimidade. Enquanto vários saudaram as explicações de que o bispo tentava se concentrar no significado católico do Natal, outros culparam Staglianò “por interferir nas tradições e celebrações familiares e esmagar os espíritos das crianças, cujos primeiros anos foram interrompidos pela pandemia”.

O jornal britânico The Guardian, que também repercutiu o caso, destacou o comentário de uma mãe identificada como Mary Avola à postagem da diocese no Facebook, mostrando que a crença dos pais sicilianos no bom velhinho pode ser mais forte do que na dos ensinamentos do bispo:

“Você é a demonstração de que, quando se trata de famílias, crianças e educação familiar, não entende nada”.

Se pudesse escrever para o Papai Noel, o bispo Staglianò certamente pediria de presente que toda essa história fosse rapidamente esquecida. Resta saber como Papai Noel vai reagir ao pedido de desculpas.