Londres – Após 19 meses presa sob acusação de crimes contra a segurança nacional pelo governo da China, a jornalista australiana Cheng Lei será julgada em Pequim nesta quinta-feira (31).

Cheng é um caso raro na série de investidas do governo chinês contra a mídia local e internacional, pois trabalhava em um veículo de comunicação estatal chinês quando foi acusada e presa. 

Ela foi âncora da emissora chinesa China Global Television Network (CGTN) por oito anos até sua prisão em agosto de 2020, supostamente por “fornecer segredos de estado a uma organização ou indivíduo no exterior”.

Austrália pede tratamento justo para a jornalista na China 

A prisão da jornalista ocorreu em um momento de tensão entre Austrália e China, depois que o governo australiano pediu em 2020 uma investigação independente sobre a origem da covid-19.

Pequim respondeu impondo restrições e medidas punitivas às exportações australianas.

Além de jornalista, Lei tinha atuação destacada em eventos promovidos pela embaixada australiana  mais um fator a associá-la à tensão entre os dois países.

A informação sobre o julgamento no dia 31 de março foi confirmada pela Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) e pela Media, Entertainment & Arts Alliance (MEAA) da Austrália, a associação de jornalistas local. As entidades protestaram e pediram ao governo chinês que retire sua acusação contra Cheng e a liberte imediatamente.

Em nota, a ministra das Relações Exteriores da Austrália, Marise Payne, também confirmou o julgamento e disse: “Esperamos que os padrões básicos de justiça, equidade processual e tratamento humano sejam atendidos, de acordo com as normas internacionais”.

De acordo com reportagem da Reuters, a sessão acontecerá em um tribunal fechado no Tribunal Intermediário Popular de Pequim No.2. 

Segundo a FIJ, a lei criminal da China prevê sentença de cinco a dez anos para quem for considerado culpado de fornecer segredos de Estado ou inteligência no exterior, podendo chegar até a prisão perpétua se o crime for considerado grave.

A detenção de Cheng Lei só foi confirmada seis meses depois de a jornalista ter sido capturada em casa, e o governo confirmou as acusações em um pronunciamento. 

Quem é a jornalista julgada na China 

Cheng Lei nasceu em Yueyang, província de Hunan, em 1975 e emigrou para a Austrália com seus pais aos dez anos de idade. 

Ela tem dois filhos de dez e doze anos. Ambos retornaram à Austrália no início da pandemia de Covid-19 e atualmente estão sendo cuidados pela família de Cheng em Melbourne.

A apresentadora Cheng Lei não tem contato com os filhos desde que foi detida na China, em agosto de 2020. (Arquivo pessoal/Divulgação)

Um membro da família de Cheng na Austrália disse à mídia que acreditava que Cheng não teria feito nada intencionalmente para prejudicar a segurança do estado da China.

Ainda assim, as condições em que vem sendo mantida são severas, segundo relatos.

O governo australiano disse que a jornalista foi inicialmente mantida sob prisão domiciliar. Um acordo bilateral permitiu que representantes do governo australiano a vissem uma vez ao mês. Nesses encontros, a jornalista permaneceria vendada e algemada.

Porém, apuração da emissora australiana ABC em fevereiro do ano passado afirmou que Cheng foi trancada em uma cela sem ar fresco ou luz natural, teria enfrentado vários interrogatórios e perdido o direito de escrever cartas e de fazer exercícios.

Após apelos internacionais ao governo com preocupações por sua segurança e bem-estar, um porta-voz do governo chinês anunciou em setembro de 2021 que Cheng estava detida em um local não revelado por motivos de segurança nacional. 

A MEAA, associação de jornalistas da Austrália, que faz campanha pela libertação de Cheng, membro da entidade desde 2009, disse que “sua prisão, sua detenção e as acusações contra ela nunca foram explicadas”.

A Federação Internacional de Jornalistas disse:

“Cheng Lei foi colocada sob detenção por 19 meses, e as autoridades não revelaram nenhum detalhe da alegação contra ela  até o momento. 

A FIJ expressa preocupação com a falta de transparência sobre o caso e exige que o governo chinês retire sua acusação arbitrária contra Cheng e a liberte imediatamente para que ela possa voltar para casa na Austrália”.

“O grande salto para trás” do jornalismo na China 

O caso de Cheng Lei é um dos destacados em relatório publicado pela organização Repórteres Sem Fronteiras sobre as violações da liberdade de imprensa no país em dois anos, período classificado pela organização como “uma nova ordem mundial de mídia”. 

O documento “ O grande salto para trás do jornalismo na China” faz em  82 páginas um histórico das ações de repressão ao trabalho da mídia, bem como a censura exercida sobre profissionais da grande imprensa e jornalistas cidadãos que usam as redes sociais para divulgar fatos incômodos ao governo. 

Se condenada, Cheng Lei pode ter destino semelhante ao de uma outra jornalista presa e condenada   Zhang Zhan pelo crime de transmitir vídeos da crise da Covid-19 em Wuhan em 2020.

A jornalista cidadã recebeu uma pena de quatro anos e meio de prisão e entrou em greve parcial de fome. No fim d 2021, parentes informaram que ela estaria pesando menos de 40 quilos. 

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