Londres – Instituições culturais não costumavam figurar entre as organizações mais visadas por ativistas e ter que lidar com protestos, mas na Europa e nos EUA elas se tornaram alvo de barulhentas campanhas questionando patrocínios e até o acervo, sua razão de ser.

Um dos casos mais notórios é a longa batalha diplomática, política e de comunicação para devolver à Grécia as esculturas de mármore do Parthenon, estrelas do British Museum.

O movimento cresceu após a morte de George Floyd, que desencadeou debates sobre escravidão, colonialismo e imperialismo. No Reino Unido, estátuas em homenagem a figuras histórias foram destruídas ou vandalizadas – nem o lendário Winston Churchill escapou – e retratos foram removidos, incluindo um da rainha Elizabeth. 

Ao mesmo tempo, a preocupação com a mudança climática tornou vulneráveis centros culturais apoiados pelo setor de combustíveis fósseis.

Campanha de ativistas contra patrocínio ao museu de ciências 

Esse é o caso do Science Museum de Londres.

Há um ano o museu vive uma crise que não dá sinais de ir embora, desde que foi anunciado o projeto de uma nova galeria que tinha tudo para ser um sucesso em uma época de preocupação com o clima.

O espaço Energy Revolution: The Adani Green Energy Gallery, a ser aberto em 2023, será voltado para crianças e jovens e apresentará tecnologias capazes de reduzir a dependência de combustíveis fósseis.

O problema é que o grupo indiano Adani, que financia o projeto, opera no setor de carvão, vilão do clima. E isso despertou a ira de ativistas, cientistas, alunos e professores.

No primeiro de uma série de atos, houve um “acampamento” no saguão do prédio como um tributo às “vítimas” das empresas de combustíveis fósseis, organizado pelo grupo Fossil Free Science Museum.

Na sequência, conselheiros deixaram o posto atirando contra a ideia da galeria patrocinada pelo Adani. Uma das saídas mais ruidosas foi a de Hanna Fry, matemática conhecida por seu trabalho na TV e no rádio, que publicou um manifesto explicando a posição contrária. 

Fry disse: “Não apoio o recente acordo com Adani e acho que o museu precisa se envolver proativamente com as preocupações razoáveis ​​que se opõem à sua posição sobre o patrocínio de combustíveis fósseis, para que possa manter sua posição vital como líder. na conversa nacional sobre a crise climática”.

Ainda assim o Science Museum não voltou atrás, e os protestos continuaram. Em janeiro, a ONG Survival organizou uma manifestação em nome de comunidades indígenas.

Divulgação Survivor

No mais recente ato da campanha dos ativistas, foi entregue à direção uma petição assinada por mais de 400 professores ameaçando não mais levar seus alunos caso a galeria seja instalada.

Os signatários alegam que “para virar a maré do aquecimento catastrófico é preciso deixar os combustíveis fosseis no solo, e os interesses dos patrocinadores vão contra isso”.

Em entrevista ao site da Associação de Museus, o CEO do Science argumentou que a abordagem certa é engajar e desafiar as empresas a fazerem mais pelo clima, e não cortar laços.

Reagindo à campanha de ativistas, V&A ‘cancela’ família Sackler 

Já o Victoria & Albert Museum resolveu não brigar e seguiu os passos do British Museum e da National Gallery. No último fim de semana, placas com nome da família Sackler foram removidas de um pátio interno e do centro de educação artística de sua sede, em Londres.

A fortuna dos Sackler, grandes patronos da arte, veio do negócio de medicamentos opioides. A família virou alvo da campanha Sackler Pain, comandada pela fotógrafa americana Nan Goldin, ex-dependente. 

Um docmentário da jornalista Laura Poitras sobre o movimento “Sackler Pain” venceu o festival de cinema de Veneza este ano. 

Nem o fato de a Purdue Pharma, fabricante do analgésico OxyContin, ter falido, foi suficiente para acalmar os ativistas, que fazem campanha em várias partes do mundo. 

Theresa Sacker, que tem o título de “Dame” por sua contribuição à arte, fazia parte do Conselho do Victoria & Albert até 2019, quando o movimento explodiu. No comunicado, o V&A informou que a decisão de retirar o nome dos Sackler dos espaços foi tomada de comum acordo com a família.

RP para levar os Elgin Marbles de volta

Renomear espaços é mais fácil do que devolver “joias da coroa”, problema do British Museum e de vários outros museus pelo mundo. Os Elgin Marbles, esculturas em mármore, foram removidos do Parthenon por Lord Elgin em 1801, supostamente com permissão das autoridades otomanas que controlavam o território. 

Há muitos anos a Grécia tenta convencer o Reino Unido a devolver as peças, sem sucesso. Os mármores são uma das atrações principais do museu que é um dos mais visitados do mundo e atrai turistas a Londres para conhecer seu acervo. 

British Museum Elgin Marbles

Na onda anti-imperialista pós-Floyd, a Grécia ganhou mais aliados em sua tentativa de reaver as esculturas. Um deles é o magnata grego John Lefas, que está investindo o equivalente a R$ 60 milhões em uma campanha para convencer parlamentares britânicos sobre a devolução, já que a lei teria que ser mudada para que ela aconteça − ou o museu admitir que as peças foram roubadas.

Lefas contratou uma agência de Relações Públicas em Londres para organizar encontros e viagens de parlamentares à Grécia, enquanto o governo do país escala as pressões diplomáticas e na mídia.

Em entrevista ao The Times no último domingo (3), o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis mandou um recado duplo. Ele anunciou que vai pedir a devolução à nova primeira-ministra Liz Truss, o que seria a seu ver “um gesto fantástico” no momento em que o país “está meio que encurralado em termos de imagem”.

E disse achar que o rei Charles é favorável, embora entenda sua neutralidade na questão. O pai de Charles, o príncipe Philip, era da família real grega. 

Mas a tentativa deve ser em vão. Durante a convenção anual do Partido Conservador, que aconteceu esta semana,Truss disse ser contrária à devolução. 

Outras estrelas de museus, como a Pedra de Rosetta do British Museum e os Bronzes de Benin espalhados pelo mundo − alguns já devolvidos − também são alvo de movimentos de repatriação.

Independentemente de quem está com razão, as instituições culturais têm uma crise difícil para administrar: atender aos anseios de parte da sociedade ou manter acervos e recursos para cumprir sua missão e ficar sob ataque.