Quase duas semanas após o Parlamento da Turquia aprovar uma nova lei contra desinformação e fake news, as autoridades do país prenderam ao menos 11 jornalistas — confirmando os temores de entidades de jornalismo que previram o aumento da repressão contra a imprensa.

As prisões aconteceram na terça-feira (25) após policiais irem às casas dos jornalistas nas cidades de Ancara, Istambul, Van, Diyarbakir, Urfa e Mardin como parte de investigações “relacionadas ao terrorismo”. A operação foi liderada pelo gabinete do Procurador-Geral de Ancara.

Nem os profissionais de imprensa exilados estão a salvo: o Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) denunciou que um jornal que apoia o governo revelou o paradeiro de jornalistas que deixaram o país para escapar de perseguições, expondo-os a riscos mesmo fora da Turquia. 

Jornalistas na mira do governo na Turquia

Além das residências dos jornalistas, duas redações de veículos pró-curdos também foram revistadas pelas autoridades, que apreenderam computadores, arquivos e materiais de trabalho.

As redações da agência de notícias Mezopotamya (MA) e do site Jin News foram alvos da operação da procuradoria.

Segundo a MA, a polícia invadiu o prédio deles no início da manhã de terça-feira, quando ainda não tinha ninguém do veículo no local.

As autoridades revistaram a redação por seis horas e apreenderam cinco computadores, dois discos rígidos, arquivos físicos, cadernos com notas jornalísticas e vários livros.

Ao mesmo tempo, agentes foram a casa dos jornalistas de ambos os veículos. Eles foram detidos de forma violenta, jogados no chão e algemados com armas apontadas para eles, segundo o Sindicato dos Profissionais da Imprensa da Turquia (DISK Basin-Is).

Os jornalistas presos foram: Diren Yurtsever, Selman Güzelyüz, Emrullah Acar, Hakan Yalçın, Berivan Altan, Zemo Ağgöz, Ceylan Şahinli, Mehmet Günhan (ex-estagiário de reportagem) da Mezopotamya; e Habibe Eren, Öznur Değer e Derya Ren do Jin News.

Após a prisão, uma ordem de restrição de 24 horas foi emitida contra eles, que ficaram impedidos de falar com os advogados nesse período.

O parlamento da Turquia aprovou em 13 de outubro uma lei amplamente criticada por especialistas e membros da sociedade civil que pode condenar repórteres e usuários de redes sociais a até três anos de prisão por “fake news”.

Sindicatos e entidades internacionais dizem que a lei fornece uma estrutura para “ampla censura de informações online”.

Com isso, os jornalistas considerados culpados de publicar deliberadamente “desinformação e notícias falsas” podem ser condenados à prisão na Turquia, que mudou a legislação às vésperas das eleições gerais de 2023.

“As autoridades turcas mais uma vez prenderam vários jornalistas sob uma investigação secreta ordenada pelo tribunal”, diz o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), em nota. “Eles devem ser libertados imediatamente e a Turquia deve parar de assediar a mídia curda com acusações infundadas relacionadas ao seu jornalismo”.

Em comunicado conjunto, a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) e a Federação Europeia condenaram a prisão dos jornalistas.

“Estamos muito preocupados que isso tenha acontecido apenas algumas semanas após a adoção da nova lei de desinformação”, afirmaram. “Apelamos pela libertação imediata dos jornalistas e instamos as autoridades a interromper a repressão aos nossos colegas.”

Jornalistas exilados também são alvos na Turquia

Semanas antes da operação contra os jornalistas pró-curdos, o principal jornal aliado ao governo turco, o Sabah, revelou a localização de pelo menos três repórteres exilados que vivem no exterior. Segundo o CPJ, matérias separadas publicadas em setembro e outubro retrataram os jornalistas como “criminosos fugitivos”.

Todos os três jornalistas são procurados pelas autoridades turcas por acusações relacionadas ao terrorismo, de acordo com o comitê.

No final de setembro, o Sabah publicou uma reportagem sobre o jornalista turco exilado Cevheri Güven e revelou a cidade e área do prédio onde ele vive na Alemanha. Na matéria, a publicação acusou Güven de fazer vídeos criticando o governo nas redes sociais.

Já no início de outubro, o jornal pró-governo revelou o endereço do jornalista turco exilado Abdullah Bozkurt, que mora na Suécia. A matéria acusou Bozkurt de ser o “mentor” do assassinato de Andrey Karlov em 2016 em Ancara , o embaixador russo na Turquia, e alegou que o jornalista está fugindo da inteligência russa.

Na semana passada, o Sabah publicou outra matéria revelando o endereço do jornalista Bülent Keneş, que também mora na Suécia. Ele foi acusado de viver “um vida de luxo” no exterior, após fugir da Turquia por envolvimento na tentativa de golpe de 2016.

“A publicação das localizações de jornalistas turcos no exílio pela mídia pró-governo é um ato antiético e irresponsável que pode levar a sérios danos”, disse Gulnoza Said, coordenador do CPJ na Europa e Ásia Central.

“Fazer alvos de jornalistas por meio do uso de mídia pró-governo é uma medida inaceitável que coloca vidas em grande risco, especialmente devido ao histórico de ataques físicos a vários jornalistas turcos que vivem no exílio”, completou.

A perseguição a jornalistas que vivem no exílio não é inédita. Em 2021, um cidadão britânico de origem paquistanesa foi contratado para matar o blogueiro paquistanês Ahmad Waqass Goraya, exilado na Holanda devido a ameaças em seu país.

Ele foi julgado em janeiro no Reino Unido, e em março a prisão perpétua foi confirmada.