Os riscos para jornalistas que cobrem a crise política no Peru estão aumentando: o repórter de TV Manuel Calloquispe, conhecido por denunciar atividades de mineração ilegal, teve que deixar a cidade de Puerto Maldonado e se refugiar na capital do país, Lima, ao constatar que manifestantes estavam cercando sua casa e discutiam planos para matá-lo em um grupo de WhatsApp. 

No mesmo dia, 27 de janeiro, o governador da região de Madre de Dios, Luis Otsuka, teve a residência atacada e reagiu disparando tiros, em um video que viralizou nas redes sociais. 

Em entrevista à Latina TV, que tem sede em Lima, o correspondente contou que se preparava para fazer uma reportagem ao vivo sobre os piquetes, que pareciam pacíficos, quando percebeu que alguns manifestantes estavam em torno de sua casa. Um deles apontou para a residência informando aos demais que ele morava ali. 

O jornalista contou que foi para uma outra rua para fazer a entrada ao vivo. Mas antes de entrar no ar, recebeu uma uma captura de tela do grupo de WhatsApp dos manifestantes, com uma das mensagens dizendo querer que ele “desaparecesse”.

Em reportagem da Latina TV feita quando ele já estava em Lima, o profissional relatou o que passou, como acabou deixando a cidade e explicou a ação dos grupos criminosos que vem denunciando. 

O Instituto Prensa Y Sociedad do Peru (IPYS) publicou as mensagens recebidas pelo jornalista no WhatsApp, postadas em um grupo chamado Todos Somos Peruanos.

Uma delas diz que jornalistas da Latina e seu correspondente estão informando ‘puras mentiras’. Os nomes e telefones dos membros do grupo estão identificados. 

Ao compartilhar uma nota sobre o caso emitida pelo Comitê de Proteção a Jornalistas, Calloquispe confirmou que as ameaças partiram de integrantes de organizações criminais que atuam em mineração ilegal, que estariam mantendo o acesso à cidade de Puerto Maldonado bloqueado. 

“Por denunciar isso, eles querem me calar”

“As autoridades peruanas devem realizar uma investigação rápida sobre as ameaças ao jornalista Manuel Calloquispe, garantir que os manifestantes que o assediaram sejam responsabilizados e assegurar condições para que ele continue cobrindo os protestos com segurança”, disse Carlos Martinez de la Serna, diretor do centro de Proteção a Jornalistas.  

“O trabalho dos repórteres cobrindo as manifestações é essencial, e as autoridades precisam tomar todas as medidas possíveis para garantir sua segurança.”

O jornalista, que já foi indicado a prêmios de jornalismo investigativo por suas reportagens, está no radar de grupos ligados à mineração ilegal há muitos anos. Ele acredita que esses grupos estão se aproveitando da atual crise política para criar bloqueios na região a fim de manter suas atividades e aterrorizar a população. 

Segundo o IPYS, Calloquispe tem sido intimidado e ameaçado pelos garimpeiros que dominam a região, em decorrência de suas reportagens sobre depredação, tráfico de pessoas, garimpo ilegal e crime organizado.

Em 2015, ele foi agredido e teve seu equipamento apreendido enquanto fazia uma reportagem sobre atividades clandestinas de uma organização criminosa envolvida na extração ilegal de ouro.

“Eles querem que eu pare de cobrir o assunto. É por isso que me atacaram”, disse ele, acrescentando que planeja retornar a Puerto Maldonado para continuar trabalhando. 

Na entrevista à Latina TV, ele afirmou que as denúncias são a única forma de salvar os trechos da floresta amazônica na região.

Calloquispe apresentou uma queixa sobre o assédio ao escritório do procurador-geral em Lima.

O CPJ disse ter pedido uma posição sobre o caso ao promotor Roberto Percca, que está investigando o caso, e Walter Poma, chefe de polícia em Puerto Maldonado, mas não recebeu resposta.

A crise no Peru 

A crise política no Peru começou em dezembro, depois que o então presidente Pedro Castillo foi cassado e preso. Em Puerto Maldonado, a violência não poupou nem o governador da região de Madre de Dios, Luis Otzuka.

Ele teve a casa cercada e atacada por manifestantes no dia 27 de janeiro, mesmo dia em que Manuel Calloquispe deixou a cidade, e viralizou nas redes sociais ao usar uma arma de fogo para afastar os vândalos. 

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Dezenas de jornalistas foram atacados e assediados enquanto cobriam os protestos, assim como na Colômbia e no Brasil, onde profissionais de imprensa foram agredidos durante o ataque aos prédios dos Três Poderes. 

No dia 4 de fevereiro, jornalistas de diversos meios de comunicação foram agredidos e reprimidos quando cobriam os protestos contra o governo de Dina Boluarte, ocorridos no centro de Lima, segundo o IPYS. 

Os ataques vieram de policiais e de indivíduos não identificados, tentando impedir o registro do cerco da polícia contra os manifestantes. 

De acordo com o último relatório da Associação Nacional de Jornalistas do Peru,  a crise já provocou 94 ataques e bloqueios à cobertura da imprensa.