Londres – Ao entrar no Palácio de Buckingham trajando o casaco de moletom verde que se tornou parte de sua imagem pública para uma audiência formal com o rei Charles III, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, provou que sua figura midiática pode quase tudo, até quebrar o protocolo real. 

A visita a Londres na quarta-feira (8) foi uma surpresa. No início da manhã, os telejornais, sites e as redes sociais começaram a falar sobre ela, e ninguém sabia exatamente como seria ou qual a agenda. 

Zelensky desembarcou pela manhã no aeroporto de Stansted, viajando em um avisão da Força Aérea britânica, e foi recebido na pista com um abraço afetuoso do primeiro-ministro, Rishi Sunak.

Um vídeo mostrou os dois caminhando juntos até a residência oficial, como velhos amigos de infância. 

Para o político britânico, a visita ajuda a neutralizar a associação de seu antecessor, Boris Johnson, com a Ucrânia.

Mesmo fora do cargo, Johnson continuou a se posicionar como interlocutor de Zelensky e chegou a fazer uma visita ao país invadido, em janeiro.

Tem escrito artigos em grandes jornais internacionais sobre a guerra, tentando se impor como uma referência no tema, já que o conflito começou em seu governo. 

Como parlamentar, Johnson tem credenciais para se relacionar com outros países, mas não é comum fazer isso fora do controle do partido a que pertence, o Conservador, que está no governo.

A batalha para provar quem é mais amigo de Zelensky mostra que o presidente ucraniano virou um ativo importante para políticos em busca de popularidade.

Não se sabe de onde partiu a ideia da visita de Volodymyr Zelensky a Londres. Bem pode ter sido uma iniciativa do governo de Rishi Sunak, para mostrar quem manda no possível apoio à Ucrânia. 

Sunak anunciou mais ajuda militar e treinamento de pilotos ucranianos para pilotar caças padrão da OTAN, mas não cedeu ainda no principal pedido de Zelensky: o envio de jatos para combater na guerra. 

Johnson é craque em brilhar na mídia, mas não tem mais a caneta nem o poder, hoje nas mãos de Sunak, que com a visita deve aumentar alguns pontos em popularidade, ainda que o debate sobre os jatos tenha virado uma controvérsia nos meios políticos. 

A fala de Zelensky no Parlamento foi feita no hall central e não no plenário, acompanhada por uma multidão de políticos e convidados.

A entrada foi triunfal, sob uma impressionante chuva de aplausos e gritos que lembravam um estádio de futebol.

No Reino Unido, Volodymyr Zelensky já era em dezembro o político estrangeiro mais admirado, perdendo apenas para Barack Obama. Se a pesquisa for repetida agora, o resultado para ele pode ser ainda mais favorável.

YouGov Zelensky Londres

A aproximação da Ucrânia com celebridades e países que podem ajudar a equipar seu exército na guerra desigual com a Rússia, nação que tem a bomba atômica, faz todo o sentido do ponto de vista político e institucional.

Zelensky não é o primeiro presidente de um país em conflito a buscar apoio externo.

O que chama a atenção é a habilidade dele para conquistar apoio e empatia, resultado de uma combinação de carisma e técnica que poucos políticos contemporâneos conseguiram reunir. 

Em 2003 ele fundou com amigos a produtora Kvartal 95 e construiu uma carreira respeitada como diretor artístico de programas de entretenimento.

Uma das produções foi Servant of the People, que o ajudou a chegar à Presidência com 73% dos votos em 2019. A mulher dele, Olena, era uma das roteiristas. 

Uma das frases que Zelensky proferiu em seu discurso no Parlamento foi reveladora do talento para encantar multidões e criar empatia com o público.

Ele se disse emocionado por visitar o rei Charles, que já foi um piloto da Força Aérea britânica. 

E completou dizendo que “hoje, todos os pilotos da Força Aérea ucraniana são reis”. Uma frase perfeita, escrita por quem sabe como criar um bom roteiro. 

Ele também entregou ao presidente da Câmara dos Comuns, Lindsay Hoyle, o capacete de um combatente ucraniano, assinado com a mensagem: “Temos liberdade. Dê-nos asas para protegê-lo”, em referência ao pedido de jatos, imagem reproduzida na mídia. 

Zelensky não foi mal-agradecido ao amigo Boris, mencionado em seu discurso. “Boris, você conseguiu unir os outros quando parecia absolutamente, absolutamente impossível”, disse Zelensky. “Obrigado.”

Caso Boris volte a ser primeiro-ministro, hipótese ventilada nos meios políticos, certamente deve lembrar desse afago. 

Em Londres, um exemplo do RP eficiência de Zelensky 

O uso de instrumentos profissionais de relações públicas é a marca da Ucrânia na guerra, tendo a figura de Volodymyr Zelensky como elemento principal.

O site oficial de doações para a Ucrânia, o United24, é apresentado como iniciativa do presidente, com toques de culto à personalidade que lembram o estilo de líderes carismáticos e populistas do passado e da atualidade.

E não ficam a dever aos mergulhos do inimigo Putin no mar gelado para demonstrar bravura. 

United24 Ucrânia Volodymyr Zelensky

O presidente tem recebido apoio de celebridades. Na semana passada, o ator que interpreta Luke Skywalker em Guerra nas Estrelas anunciou a intenção de vender cartazes do filme autografados para comprar mais drones para a Ucrânia.

O curioso é que na maior parte das vezes, esse tipo de apoio é direcionado para esforços de ajuda humanitária, como equipamentos médicos e reconstrução.

No caso da Ucrânia, os apoiadores não hesitam em pedir dinheiro para comprar drones destinados a monitorar o exército inimigo e atacá-lo.

A defesa da Ucrânia virou uma causa que justifica o revide, resultado da narrativa eficiente de Volodymyr Zelensky de ‘luta do bem contra o mal’, esse último representado por Vladimir Putin.

Talvez para neutralizar críticas sobre a destinação dos fundos, o site United24 exibe uma declaração do historiador e professor de Yale Timothy Synder, embaixador do programa de drones Shared Hunter, autor de livros e cursos sobre a Ucrânia. 

Ele diz ser sua intenção futura colaborar para restaurar escolas, universidades e bibliotecas, mas neste momento é preciso fazer o mais urgente: angariar recursos para “ajudar a Ucrânia a se defender dos drones assassinos”, uma narrativa em linha com o discurso de Zelensky.

No discurso feito no Parlamento britânico nesta terça-feira, ele disse que a vitória da Ucrânia era uma vitória do mundo, dando ares épicos a uma guerra que vai completar um ano sem vencedores.

Mas que surpreendeu a muitos pela resistência do lado mais fraco.

“Sabemos que a Rússia vai perder. Sabemos que a vitória mudará o mundo, e esta será uma mudança de que o mundo precisava.

O Reino Unido está marchando conosco rumo à vitória mais importante de nossa vida. A vitória sobre a própria ideia de guerra.”

Essa resistência, atribuída de forma simplista à bravura dos ucranianos, tem uma boa ajuda de potências ocidentais que estão ajudando o país a combater o exército russo.

É difícil imaginar que eles tivessem resistido por tanto tempo sem apoio financeiro e na forma de armamentos.

Para isso, a retórica de Zelensky e sua capacidade de enfeitiçar multidões – de gente comum a grandes líderes globais, como aconteceu em Londres – é uma arma que pode ter surpreendido Vladimir Putin, cada vez mais isolado e desmoralizado na cena global. 

Uma pesquisa do Instituto de Sociologia de Kiev revelou em dezembro que 84% dos ucranianos confiam em Zelensky, três vezes mais do que no ano anterior.

O presidente tem obstáculos a contornar. O recente escândalo de corrupção no exército, que culminou com afastamento de chefes militares, é uma preocupação para quem se elegeu com discurso anticorrupção.

Sua nova lei de mídia irritou organizações de defesa da liberdade de imprensa, que viram risco de censura a jornalistas e veículos críticos.

Por enquanto, nada disso “grudou” nele. O capital de imagem acumulado no primeiro ano da guerra será valioso para neutralizar os atuais e futuros problemas.