Responda rápido: você acha que a Inteligência Artificial (IA) irá roubar seu emprego? Bem, se o seu trabalho for na bancada da televisão, pense duas vezes: âncoras de TV criadas por IA já estão operando por aí em emissoras mundo afora.
Redes de televisão comerciais e estatais na Ásia, Índia e Oriente Médio estão experimentando o uso de “metahumanos”, versões digitais de apresentadores em parte de suas programações.
Os “apresentadores digitais” possuem movimentos e falas sincronizados com programas capazes de ler e comentar os conteúdos, de maneira muito similar a uma pessoa real — algo que preocupa profissionais do ramo, que temem perder seus empregos para robôs.
Como funcionam as Âncoras de TV por IA?
Embora iniciativas como essa existam desde 2018, foi apenas nos últimos anos que os algoritmos generativos — aqueles que “criam” conteúdos — avançaram a ponto de viabilizar o uso desses humanos digitais.
Apesar do nome e do termo, boa parte destas âncoras de TV não são “inteligências artificiais” independentes, mas sim, avatares que fazem tarefas básicas.
No caso da televisão, isso se limita a ler notícias e até comentá-las. Atividades mais complexas, como por exemplo, uma entrada ao vivo, estão fora do escopo.
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Por isso, até o momento a presença deles esteve atrelada a funções muito específicas dentro das programações. Confira uma lista de apresentadores virtuais e o que eles fazem:
Qiu Hao, Xin Xiaomeng, da estatal Xinhua e Ren Xiaorong, do Partido Chinês (China)

O primeiro exemplo de âncoras de TV movidos por IA veio em 2018, na China, com Qiu Hao, apresentador virtual da agência de notícias estatal Xinhua.
Anunciado na World Internet Conference, em Wuzhen, ele foi modelado sob a voz e aparência do apresentador do canal, Zhang Zhao.
Tal como uma pessoa real, Hao consegue ler textos inseridos no teleprompter, e aprender a ler melhor estudando apresentações anteriores.
Em 2019, a agência Xinhua introduziu uma versão feminina, Xin Xiaomeng, modelada sob a apresentadora Qiu Meng, para apresentar suas programações. Ela foi introduzida junto a uma “atualização” do de Hao, chamada “Xin Xiaohao”, e ambos contavam com falas e gestos mais orgânicos.
Por fim, em março deste ano, o jornal oficial do Comitê Central do Partido Comunista da China apresentou Ren Xiaorong, a terceira das IAs que trabalham na agência.
No entanto, ao contrário de seus “colegas de profissão” da agência de notícias, a nova adição interage com o público, tirando dúvidas sobre assuntos de maior profundidade.
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Fedha, do Kuwait News (Kuwait)

Em abril deste ano, o site de notícias Kuwait News, do jornal inglês Kuwait Times, trouxe Fedha, uma âncora digital criada por Inteligência Artificial.
Anunciada em um tweet da emissora, a figura estaria em fase de testes para ler boletins de notícias nos vídeos das redes sociais, tanto em inglês quanto em árabe, com direito a sotaque e tudo.
O nome é um termo popular para o metal prata e é uma referência direta ao aspecto “metálico” associado a tudo que está ligado a robôs. Ironicamente, não é apenas a criação de Fedha que é robótica: a voz da apresentadora também é um tanto artificial.
À época, o visual chamou atenção pela aparência destoante da cultura local, já que a âncora é loira, de olhos claros, traços escandinavos e vestes ocidentais, com terno e camiseta branca.
Em resposta, Abdullah Boftain, vice-editor-chefe, disse à AFP que ela representa “a diversidade do país”, que tem muitos expatriados de outras nacionalidades.
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Sasya, Nadira e Bhoomi, do canal TvOne (Indonésia)

Em abril deste ano, o canal indonésio TvOne anunciou três âncoras de TV criadas por IA — Sasya, Nadira e Bhoomi.
A diversidade étnica das três apresentadoras foi pensada para se conectar com diferentes etnias do país, com exceção de Nadira, que é baseada na jornalista de carne e osso, Fahada Indi.
Embora promovidas pelo canal de TV como “IAs apresentadoras”, o termo é um pouco exagerado, já que nenhuma delas age de maneira independente ou interativa.
Ao invés disso, atuam como “dublês digitais” de jornalistas em campo: enquanto Fahada Indi cobre os acontecimentos direto no local, seu avatar, Nadira, gesticula e mexe a boca de acordo com as falas.
No entanto, as três apresentadoras ainda possuem problemas básicos, como erros na sincronia entre áudio e animação, e movimentos labiais pouco convincentes.
Questões como essa perpetuam uma percepção de que as IAs trouxeram menos avanços no jornalismo que em programas como saúde ou engenharia.
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Monica e Joon, do canal Astro Awani (Malásia)

Em maio de 2023, foi a vez do canal malaio Astro Awani de introduzir dois apresentadores de TV gerados por IA, Joon e a Monica.
Com apresentações em inglês, malaio, espanhol, mandarim, francês e árabe, Joon divide as telas do noticiário Awani 7h45 com a âncora de carne e osso, Nailah Huda. Mônica aparece no programa seguinte, às 8h30, no talk show Agenda Awani.
Os dois apresentadores foram modelados sob etnias estrangeiras — Joon possui uma aparência coreana tradicional, enquanto Mônica tem traços mais europeus.
Aparajita, apresentadora do Channel 24 (Bangladesh)

Em julho deste ano, a emissora de televisão bangladense Channel 24 fez um teste com a sua primeira apresentadora digital, Aparajita.
A inteligência artificial se juntou ao noticiário das 19h para fazer uma do boletim de notícias.
Criada para apresentar o programa de tecnologia “Ctrl A” da emissora, Aparajta passou a ler os boletins e as chamadas em agosto deste ano.
A Channel 24 não revelou os detalhes das tecnologias presentes por detrás da criação ou do funcionamento de Aparajita.
Âncora da previsão do tempo do canal FTV (Taiwan)

A estação pública Formosa Television (FTV), de Taiwan, acrescentou uma apresentadora virtual na programação em julho deste ano.
Desenvolvida por seis meses, a apresentadora — que ainda não possui nome — é um avatar conectado a uma IA. Suas atividades iniciaram com a leitura diária do boletim meteorológico, com média de 2 minutos de duração.
Além do visual realista, a apresentadora também “aprende” com o que faz, estudando a performance e ajustes dos boletins do que leu. Na prática, isso se converte em apresentações mais naturais, com pausas, cadências e até mesmo o uso de figuras de linguagem.
No entanto, é possível que isso seja só um treinamento temporário para outras atividades, já que a FTV também fornece noticiários diários para que ela “aprenda” a apresentar outros formatos de programas.
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Sana, da Aaj Tak, Lisa, da Odisha TV, e Soundarya, do Power TV (Índia)
Em julho de 2023, três emissoras de televisão na Índia introduziram âncoras de TV feitas por IA, ambas com objetivos e capacidades muito distintos.

A primeira delas, Sana, é uma apresentadora gerada por IA que atende ocasiões específicas das programações do canal Aaj Tak, pertencente ao grupo midiático India Today.
Em sua inauguração, em horário nobre, a âncora leu um noticiário completamente em francês. Para além de mostrar as habilidades poliglotas da nova “funcionária”, a decisão também era de homenagear os 25 anos de parceria comercial entre França e Índia.
Já a segunda das apresentadoras, Lisa, foi inaugurada na mesma semana, no canal privado local Odisha TV. Anunciada em um tuíte da emissora, a âncora é alimentada por uma inteligência artificial generativa capaz de responder a interações, e possui um foco mais “influencer”, com diversas aparições nas redes sociais.
Outro diferencial de Lisa é que ela é capaz de apresentar boletins em inglês e hindu, mas também em desiya, língua local do estado de Odisha. Segundo os criadores, o objetivo é que a IA eventualmente consiga interagir com o público no idioma regional, o que exige muito treinamento.
A terceira apresentadora, Soundarya, é do canal Power TV, do grupo Powersmart Media (OPC). Estreando as atividades no noticiário local, a IA foi criada para apresentar diversos programas da emissora em canarês, idioma popular no sul da Índia.
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