Londres – Burkina Faso, país africano situado em uma região reconhecida pelas violações da liberdade de imprensa, adotou uma forma original de tentar silenciar jornalistas críticos: convocá-los para lutar contra jihadistas ao lado de soldados do exército de Ibrahim Traoré, que tomou o poder em um golpe militar em setembro de 2022.
Os dois primeiros convocados, sem qualquer experiência militar, são Issaka Lingani, de 64 anos, colunista do “Presse Échos”, programa de análise política da TV BF1, e Yacouba Ladji Bama, repórter investigativo e fundador site de notícias Bam Yinga, que segundo informações obtidas pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) estaria fora do país.
“Esta é uma convocação arbitrária, ligada às minhas opiniões críticas sobre o governo”, disse Lingani, um jornalista veterano que também dirige a seção local da União de Imprensa em Francês, à RSF.
Dissidentes convocados para defender governo após golpe
Não são apenas jornalistas a serem convocados para enfrentar os grupos terroristas. Ativistas e dissidentes do regime também estão sendo chamados a se alistar no exército de Burkina Faso após o golpe.
Em abril, Traoré assinou um decreto permitindo o recrutamento de civis para lutar contra os rebeldes jihadistas.
Uma nova onda de recrutamentos, que começou em 4 de novembro, tem como alvo específico os opositores do governo. Cerca de 20 personalidades, incluindo os dois jornalistas, estão entre os recrutados, chamados de “Voluntários da Pátria”.
Lingani foi chamado a se apresentar em uma base em Kaya, 100 quilómetros a norte da capital, Ouagadougou, para treino militar durante “duas a três semanas”.
Ele será então enviado para a região ocidental de Boucle du Mouhoun, que foi gravemente atingida por novas atividades terroristas, segundo a Repórteres Sem Fronteiras, devendo participar em “operações de segurança territorial” até 6 de fevereiro de 2024, de acordo com a ordem de recrutamento vista pela organização.
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Mensagem anunciando a convocação
O jornalista usou seu programa no domingo para informar aos espectadores sobre sua ausência “para participar da reconquista do território nacional”.
A mensagem de Lingani, sem críticas à convocação, foi interpretada por Binta Sidibé Gascon, presidente da ONG de defesa de direitos humanos Observatório Kisal, como “propaganda do governo diante da mobilização que visa punir vozes dissidentes e pressionar pela autocensura”, em entrevista à rede francesa France24.
O recrutamento forçado de dois jornalistas críticos do governo para lutar no exército constitui um novo ataque à liberdade de imprensa em Burkina Faso, disse Sadibou Marong, Diretor do escritório da RSF na África Subsaariana, que salientou os riscos para os profissionais:
“Recrutar jornalistas, incluindo um de 64 anos, que nunca receberam qualquer treino militar é uma forma terrível de os silenciar e ao mesmo tempo coloca as suas vidas em perigo.
Condenamos estas ordens de recrutamento flagrantemente injustas e apelamos às autoridades do Burkina Faso para que as revoguem imediatamente.”
‘Cobertura patriótica’ em Burkina Faso
Burkina Faso está situada na região do Sahel, faixa horizontal que começa no Mar Vermelho e termina no Oceano Atlântico, cruzando a totalidade ou partes dos territórios de Gâmbia, Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Argélia, Níger, Nigéria, Camarões, Chade, Sudão, Sudão do Sul, Eritreia, Etiópia, Djibuti e Somália.
A área foi objeto de um relatório da Repórteres Sem Fronteiras documentando a influência do Grupo Wagner, milícia criada pelo russo Yevgeny Prigozhin, que rompeu com Vladmir Putin e morreu em um acidente aéreo em junho deste ano.
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De acordo com a organização de liberdade de imprensa, desde o golpe de setembro de 2022 “as autoridades de Burkina Faso não esconderam o seu desejo de impor uma cobertura de imprensa “patriótica”.
Diversos métodos tem sido usados para colocar a mídia sob controle, até fora das fronteiras do país.
A Jeune Afrique, publicação mensal com sede em Paris especializada em assuntos africanos, está inacessível em Burkina Faso desde setembro de 2023.
Repórteres estrangeiros foram deportados, enquanto jornalistas locais têm sido alvo de campanhas de difamação e intimidação.
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