Londres – O governo do Afeganistão, sob o comando do grupo Talibã, intensificou nas últimas semanas a repressão sobre a mídia, com prisões e fechamento de dois canais de TV independentes.
As redes privadas Noor TV e Barya TV foram suspensas no dia 16 de abril por ordem da Comissão de Violações dos Meios de Comunicação Social do Ministério da Informação, sob a justificativa de não respeitarem “valores nacionais e islâmicos”, e ficarão paralisadas até o julgamento do caso, que não tem data para acontecer.
Também em abril quatro jornalistas de rádio foram presos, dos quais três devido à veiculação de música e de chamadas telefônicas de ouvintes mulheres durante as transmissões, segundo a organização de liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras.
Repressão à mídia pelo Talibã refletida em ranking
O Afeganistão, que voltou ao domínio do Talibã em 2021, ocupa o 152º lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2023 da RSF.
Pelo menos 25 jornalistas foram detidos em 2023 no país, de acordo com o acompanhamento da organização.
A nova onda de prisões começou no dia 6 de abril, quando Habib-ur-Rahman Taseer, jornalista da Rádio Azadi, filial afegã da Rádio Europa Livre (RFE)/Rádio Liberdade (RL), foi preso em Ghazni por oficiais da área de inteligência talibã.
O profissional ficou detido 11 dias e acabou transferido para a prisão provincial de Ghazni, onde aguarda julgamento em um tribunal, relatou a Repórteres Sem Fronteiras.
A Rádio Azadi saiu do ar no Afeganistão em dezembro de 2022. Em fevereiro de 2023 o governo Talibã determinou o fechamento do website, sob alegação de veicular propaganda antigovernamental.
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Jornalistas presos por transmitir música e dar voz a mulheres
Os outros jornalistas presos são Ismail Sadat, da Rádio Naz; Wahidullah Masoum, da Rádio Iqra e Ehsanullah Tasal, da Rádio Walas Ghazh.
Eles foram convocados para interrogatório pelo departamento provincial de Khost por comportamento imoral no dia 22 de abril, e estão detidos na sede da polícia provincial desde então, de acordo com a Repórteres Sem Fronteiras.
Além de punidos por transmitirem música, eles forma acusados de permitir que ouvintes do sexo feminino ligassem e falassem no ar durante os seus programas.
As chamadas de mulheres em programas de rádio e televisão foram proibidas em Khost pelo chefe da polícia local, em fevereiro, para evitar “corrupção moral”.
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As TVs fechadas pelo Talibã
Motivo semelhante foi alegado pelo Ministério da Informação para determinar o fechamento temporário da Noor TV, criada em 2007 por Salahuddin Rabbani, ex-ministro das Relações Exteriores e chefe do partido Jamiat-e-Islami.
A emissora foi suspensa por transmitir música e por permitir que suas funcionárias aparecessem na tela sem o rosto coberto.
Já a A Barya TV, lançada em 2019, teve suas operações interrompidas por transmitir comentários de seu proprietário, o líder do partido Hezb-e-Islami, Gulbuddin Hekmatyar, sobre as relações entre o Talibã e os Estados Unidos.
Elas poderão voltar ao ar após julgamento, mas o desfecho pode levar tempo. O porta-voz do Ministério da Informação e Cultura, Khubaib Ghufran, disse à mídia local que “os processos são demorados e a decisão que o tribunal tomar será definitivamente implementada”.
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O Centro de Jornalistas Afegãos condenou a suspensão, que em sua avaliação desrespeita a lei de mídia e tem como objetivo “pressionar ainda mais a imprensa”.
“Essas decisões punitivas são apenas os episódios mais recentes da implacável repressão do Talibã sobre a mídia”, disse Célia Mercier, chefe do escritório da RSF no Sul da Ásia.
“As autoridades visam os jornalistas – especialmente os repórteres que trabalham para meios de comunicação estrangeiros, acusados de denegrir o governo Talibã – e sujeitam-nos a detenções arbitrárias e a todo o tipo de restrições”, completou.
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