Londres – A agência de jornalismo ambiental brasileira Amazônia Real é uma das 15 finalistas do Prêmio de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres sem Fronteiras, que acaba de anunciar os selecionados de sua edição 2022.
Fundada e dirigida por mulheres, a agência concorre na categoria Impacto, junto com projetos da Ucrânia, Índia, Mali e Grécia. Os vencedores nas três categorias – Impacto, Coragem e Independência – serão conhecidos no dia 12 de dezembro em uma cerimônia em Paris, onde fica a sede da RSF.
O jornalista russo Dmitry Muratov, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2021, abrirá a cerimônia, que terá show da cantora francesa e ativista Jane Birkin.
Prêmio de liberdade de imprensa completa 30 anos
“Há 30 anos, o prêmio RSF homenageia o trabalho daqueles que encarnam os ideais do jornalismo. Na era digital, os desafios do jornalismo evoluíram, mas coragem, independência e busca de impacto continuam sendo virtudes cardeais”, disse Christophe Deloire Secretário-geral da Repórteres Sem Fronteiras.
Conheça os finalistas deste ano.
O Prêmio de Impacto é concedido a jornalistas, meios de comunicação ou ONGs cujo trabalho tenha levado a melhorias concretas na liberdade, independência e pluralismo jornalísticos, ou a um aumento da conscientização sobre esses assuntos.
Amazônia Real (Brasil)
Fundada em 2013 por duas mulheres, Kátia Brasil, negra, e Elaíze Farias, indígena, a Amazônia Real é uma agência de jornalismo independente com sede em Manaus.
Dirigida exclusivamente por mulheres, “produz jornalismo ético e investigativo, entrevista aqueles que raramente são vistos na grande mídia e publica reportagens multimídia sobre o impacto das mudanças climáticas, enchentes e desmatamento nas comunidades indígenas e minorias da região, descrevendo suas vidas e contando suas histórias”, segundo a RSF.
A organização destaca que a mídia nacional tem se referido às suas reportagens recentes sobre confrontos entre a polícia e garimpeiros ilegais, o uso de novos pesticidas industriais e a apreensão de terras de comunidades locais.
“Organização sem fins lucrativos, optou por não aceitar financiamento ou recursos do Estado ou de qualquer pessoa ou empresa implicada em crimes ambientais, trabalho forçado ou violência contra a mulher. “
“Quando Dom Phillips e Bruno Pereira foram assassinados em junho de 2022, produziu muitas reportagens esclarecendo as circunstâncias de sua morte e o trabalho da mídia na Amazônia”, destacou a entidade.
Em outubro, a Amazônia Real foi reconhecida com o prêmio de direitos humanos Vladimir Herzog.
Kátia Brasil considera a indicação um prêmio.
“Somos um mídia independente, investigativa, sem fins lucrativos, que faz jornalismo regional de dentro da Amazônia para fora.Esse trabalho está impactando o mundo. É um reconhecimento muito importante que marca a coragem que nossa equipe de jornalistas, tão valorosa, pratica todos os dias.”
Mstyslav Tchernov e Yevhen Maloletka (Ucrânia )
Trabalhando para a Associated Press, eles foram os únicos jornalistas a documentar o impacto dos combates e bombardeios de artilharia na cidade ucraniana de Mariupol por 20 dias em março de 2022 para a mídia internacional.
A foto de uma mulher grávida ferida no bombardeio de uma maternidade correu o mundo e chamou a atenção da opinião pública internacional para o que estava acontecendo na cidade sitiada.
“Eles trabalharam em condições extremamente difíceis, com perseguição do exército russo por causa do impacto de suas fotos, mas foram ajudados pela população, que estava ciente da importância de seu trabalho”, apontou a RSF.
Kavita Devi (Índia)
Co-fundadora e diretora do Khabar Lahariya, um site de notícias operado exclusivamente por mulheres jornalistas de áreas rurais, Devi se tornou um símbolo e uma voz para as margens esquecidas da sociedade indiana, para as populações rurais que não falam inglês ou mesmo hindi.
“Como ela nasceu em uma família da comunidade Dalit (anteriormente conhecida como “Intocáveis”) e se casou aos 12 anos, sua vida deveria seguir o caminho tradicional de cuidar da casa, dos filhos e do gado.
Mas ela conseguiu estudar e, com outros alunos, fundou Khabar Lahariyaem 2002, enfrentando o desafio de impor a presença de mulheres jornalistas no setor de mídia tradicionalmente dominado por homens e chamando a atenção para a discriminação social, étnica e religiosa sofrida pelas populações rurais marginalizadas da Índia.”
Segundo a RSF, com isso ela ajudou a sociedade indiana a avançar em direção a mais representatividade e autonomia cidadã, com um jornalismo pluralista independente dos tradicionais centros de poder.
Adama Dramé (Mali)
Diretor do semanário investigativo maliano Le Sphinx , o jornalista luta incansavelmente desde que seu repórter Birama Touré desapareceu em Bamako, em janeiro de 2016.
Uma investigação realizada em conjunto por Dramé e pela RSF apurou que Touré foi sequestrado, torturado e quase certamente morto em um centro de detenção do Estado “por se interessar muito” pelas atividades de Karim Keïta, filho do então presidente, que foi deposto em um golpe em 2020.
Karim Keïta fugiu para a Costa do Marfim após o golpe, mas as autoridades malianas emitiram um mandado de prisão, enquanto o ex-chefe da agência de inteligência do Mali, general Moussa Diawara, foi preso em conexão com o desaparecimento de Touré.
“Esses desenvolvimentos inesperados não teriam acontecido sem as revelações das quais Dramé participou. Temendo por sua vida, Dramé teve que fugir do país, mas continua investigando o caso e espera um dia descobrir exatamente o que aconteceu com seu repórter desaparecido”, disse a RSF.
Repórteres Unidos (Grécia)
Repórteres Unidos é uma rede de repórteres com o objetivo de apoiar o jornalismo investigativo na Grécia, colaborar em investigações transfronteiriças com jornalistas e meios de comunicação internacionais e publicar reportagens sobre temas sem espaço na imprensa grega.
A RSF destaca o extremo cuidado com a transparência do seu financiamento e com a sua independência.
Embora sujeita a processos judiciais com fins de intimidação (SLAPPs) e a ter negado o acesso a informações em poder do Estado, a Repórteres United expôs grandes escândalos, incluindo espionagem de jornalistas, abusos ambientais e corrupção na gestão da migração na Grécia.
“Como uma rara ilha de profissionalismo jornalístico em um mar de polarização da mídia e propaganda do governo, ela precisa lidar com os principais problemas para a liberdade de imprensa na Grécia, o país da União Europeia que ocupa a pior posição no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2022.
Prêmio de coragem em Liberdade de Imprensa
O Prêmio de Coragem em Liberdade de Imprensa é concedido pela RSF a jornalistas, meios de comunicação ou ONGs que demonstrem bravura na prática, defesa ou promoção do jornalismo em um ambiente hostil e apesar das ameaças à sua liberdade ou segurança.
Juan Lorenzo Holmann Chamorro (Nicarágua)
Diretor-geral do jornal independente La Prensa desde 2019, Chamorro foi forçado a anunciar o fim da edição impressa do jornal em 13 de agosto de 2021 por causa de uma escassez de papel de jornal orquestrada pelo governo do presidente Daniel Ortega.
A polícia assumiu o controle das instalações do jornal e o prendeu no mesmo dia, levando-o para o centro de detenção da Diretoria de Assistência Judiciária, conhecido como “células de tortura”.
Mantido lá desde então, ele não pôde falar com um advogado e só recebeu sete visitas familiares.
Em março de 2022, recebeu uma sentença de nove anos de prisão por lavagem de dinheiro, apesar da falta de evidências para apoiar a acusação. O La Prensa continua a existir em formato digital e agora é produzido a partir de um local fora da Nicarágua.
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Mahmoud Al-Otmi (Iêmen)
Jornalista freelance originário de Al Hudaydah, uma cidade portuária agora controlada pelos rebeldes houthis, ele cobre violações de direitos humanos dos houthis para meios de comunicação iemenitas desde 2014.
Começou a receber ameaças por telefone logo após fundar o site almmarsa.com em Aden em 2018, no qual ele se concentra nas províncias ocidentais governadas por houthis do Iêmen.
Seu irmão foi preso no ano seguinte em represália, e seu pai foi forçado a assinar um documento de deserção. Alguns meses depois, os houthis conseguiram identificar seu carro e o local onde morava.
Em 9 de novembro de 2021, seu carro explodiu enquanto ele levava sua esposa, a jornalista Rasha Al-Harazi , ao hospital para dar à luz.
Ela e o bebê morreram no local. Al-Otmi ficou gravemente ferido, mas sobreviveu. Ele agora está sediado nos Emirados Árabes Unidos, onde continua trabalhando.
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Huang Xueqin (China)
Jornalista, ex -repórter investigativa do Xinquaibao e Southern Metropolis Weekly, Sophia Huang Xueqin trabalhou nos últimos anos para promover os direitos das mulheres e documentar e expor o assédio sexual contra mulheres e meninas, especialmente no ambiente da mídia.
Ela foi presa em 19 de setembro de 2021 na cidade de Guangzhou, junto com o ativista trabalhista Wang Jianbing sob suspeita de “incitar a subversão do poder do Estado”, quando se preparava para deixar a China para estudar no Reino Unido.
Huang Xueqin também foi detida anteriormente por três meses em 2019 sob a acusação de “provocar brigas e causar problemas” por cobrir os protestos pró-democracia em Hong Kong.
Narges Mohammadi (Irã)
Presa várias vezes nos últimos 12 anos por lutar pela liberdade de imprensa e pelos direitos humanos, Narges Mohammadi é um símbolo de coragem, afirma a RSF.
“Mesmo na prisão, ela não parou de fornecer informações sobre a terrível situação dos prisioneiros no Irã, especialmente mulheres presas.
Sua vida é uma batalha com muitos sacrifícios para que sua voz pudesse ser ouvida.”
Casado com um jornalista, Taghi Rahmani, ela tem dois filhos que ela não viu crescer, tendo passado apenas alguns meses fora da prisão desde 2011.
Apesar de ter problemas cardíacos, foi maltratada e torturada e levou 154 chicotadas. Mas não perde a esperança e continua a apelar à desobediência civil, “sempre com um sorriso nos lábios”.
Ela escreveu dezenas de artigos a partir da prisão, fez um documentário e até publicou um livro intitulado White Torture, baseado em entrevistas com 16 presos.
Han Thar Nyein (Mianmar)
Preso apenas um mês após o golpe militar de fevereiro de 2021 em Mianmar, Han Thar Nyein foi um dos primeiros alvos da perseguição da junta a jornalistas independentes.
Há uma década, ele co-fundou a Kamayut Media , uma agência de notícias que forneceu ao mundo uma cobertura confiável e original do que estava acontecendo em Mianmar – uma missão que ele queria continuar a realizar apesar do golpe.
O jornalista está atualmente detido na notória prisão de Insein, nos arredores de Yangon, onde foi submetido a extrema violência e tortura, queimaduras por todo o corpo, ameaças de estupro e ameaças de morte, segundo a Repórteres Sem Fronteiras.
Seu colega Nathan Maung, cidadão americano preso ao mesmo tempo que ele, foi rapidamente libertado graças a negociações diplomáticas. “Mas Han Thar Nyein teve a infelicidade de “nascer apenas birmanês” e deve continuar resistindo na prisão”, disse a organização.
Prêmio Independência
O Prêmio da Independência é concedido a jornalistas, meios de comunicação ou ONGs que resistem a pressões financeiras, políticas, econômicas ou religiosas.
TOLOnews (Afeganistão)
Reconhecido com o Prêmio RSF de Liberdade de Imprensa em 2005 e a Medalha da Cidade de Paris para Heróis da Informação em 2016, o canal de TV de propriedade privada continua a operar em Cabul apesar da pressão constante do Talibã desde que o grupo assumiu o controle do país, em 15 de agosto de 2021.
“É um dos maiores canais de notícias de TV de propriedade privada do Afeganistão, e suas reportagens imparciais e baseadas em fatos refletem os melhores princípios do jornalismo”, diz a RSF.
“Ao continuar operando, enfatiza o fato de que reportagens imparciais podem e devem ser mantidas em quaisquer circunstâncias. É por esta razão que é nomeado para a sua independência no Afeganistão.”
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Omar Radi (Marrocos)
Repórter investigativo e ativista de direitos humanos, Radi foi alvo de assédio judicial por cobrir corrupção e outros assuntos sensíveis por mais de dez anos, relata a Repórteres Sem Fronteiras.
As autoridades começaram a investigá-lo por suspeita de espionagem em junho de 2020, logo após a Anistia Internacional informar que o spyware Pegasus havia sido usado para invadir seu telefone.
Um mês depois, ele foi preso com base em uma alegação de estupro e acabou sendo julgado simultaneamente por acusações completamente diferentes de estupro e espionagem, aumentando as dúvidas sobre a justiça do julgamento.
Ele foi condenado a seis anos de prisão em julho de 2021. Iniciou então uma greve de fome em abril de 2021 em protesto contra sua detenção, mas teve que abandoná-la após 21 dias porque sofre da doença de Crohn e está com a saúde muito precária.
Lady Ann Salem (Filipinas)
Para a Repórteres Sem Fronteiras, ela “encarna o futuro do jornalismo nas Filipinas, uma nova geração de jornalistas seguindo o caminho traçado por Maria Ressa”, que ganhou o Nobel da Paz em 2021.
Por isso, ela foi submetida a assédio e foi presa em dezembro de 2020 por acusações de terrorismo e “esquerdismo” depois que a polícia plantou armas em sua casa em Manila, afirma a entidade.
Um tribunal decidiu que sua prisão era “nula e sem efeito” em fevereiro de 2021, mas ela teve que esperar mais um mês antes de ser libertada.
Salem edita o Manila Today e coordena a Altermidya, uma rede de mídia alternativa que prioriza artigos aprofundados, relatórios de campo e investigações, e cobre as margens da sociedade filipina que a grande mídia ignora.
Bettie K. Johnson Mbayo (Libéria)
Segundo a RSF, a jornalista investigativa independente recusou todas as ofertas de financiamento de representantes do governo quando fundou a The Stage Media (Libéria), uma entidade de verificação de fatos e jornalismo investigativo, em 2020.
“Ela é uma das fontes de notícias e informações mais autorizadas da Libéria.”
Sua reportagem investigativa documentou e denunciou pelo menos seis grandes escândalos envolvendo política, corrupção, direitos humanos e os problemas das mulheres em seu país.
A entidade destaca que depois de ela ter denunciado um caso de corrupção , altos funcionários ofereceram-lhe um contrato para fazer um trabalho de relações públicas para o governo mas a jornalista recusou.
A família dela também foi pressionada. Depois de uma reportagem sobre uma mulher forçada a permanecer no hospital por não poder pagar a conta, o marido de Mbayo, que é médico, foi ameaçado pelo diretor do estabelecimento.
Ele é frequentemente acusado de “não controlar sua esposa”, destacou a RSF.
Bolot Temirov (Quirguistão)
Assediado e espionado pelas autoridades, o repórter investigativo mais conhecido do Quirguistão resiste à perseguição judicial e à chantagem e continua a postar suas reportagens em vídeo em seu canal do YouTube,Temirov Live.
“Além de ser processado por posse de drogas (colocadas em seu bolso pela polícia durante uma batida em fevereiro de 2022), ele está sendo processado pela Kyrgyz Petroleum Company por um de seus vídeos e agora enfrenta até 15 anos de prisão em três novos processos criminais abertos em abril.
Vídeos domésticos dele filmados com uma câmera escondida foram “vazados” online e a polícia interrogou sua esposa eda Temirov Live. Ele, no entanto, resiste e segue publicando reportagens investigativas sobre corrupção.
Júri internacional escolherá vencedores
O júri do prêmio de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras deste ano é composto jornalistas e defensores da liberdade de expressão de todo o mundo.
Entre eles está Rana Ayyub, jornalista indiana e colunista do Washington Post que sofre perseguição implacável do governo de Narendra Modi.
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Junto com ela estão Raphaëlle Bacqué, repórter francesa do Le Monde ; Mazen Darwish, advogado sírio e presidente do Centro Sírio para Mídia e Liberdade de Expressão; Zaina Erhaim, jornalista e consultora de comunicação síria; Erick Kabendera, repórter investigativo da Tanzânia; Hamid Mir, editor de notícias, colunista e escritor paquistanês; Frederik Obermaier, jornalista investigativo alemão do jornal Süddeutsche Zeitung de Munique ; e Mikhail Zygar, jornalista russo e editor-chefe fundador da Dozhd, único canal de notícias de TV independente da Rússia.
O júri é presidido pelo presidente da RSF, Pierre Haski, repórter e colunista francês.
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