Londres – A conferência do clima das Nações Unidas, realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, estendeu-se por dois dias além do previsto e resultou em acordos que frustaram aos que confiavam em avanços nos compromissos para controlar o avanço das mudanças climáticas e mitigar seus efeitos.

Uma análise feita com a colaboração de jornalistas brasileiros em oito países e especialistas nacionais e internacionais demonstra que apesar da frustração, a COP27 vai influenciar os rumos do combate aos efeitos das mudanças climáticas em áreas diversas como política interna, consumo e até no jornalismo, que vive na corda bamba entre alertar sobre os riscos e exagerar na dose provocando a temida ‘ansiedade climática’. 

Leia aqui a edição completa e a seguir um resumo dos principais temas abordados pelo relatório

António Guterres, figura central na COP27 que decepcionou 

O português António Guterres consolidou seu protagonismo na arena das mudanças climáticas, com declarações fortes durante a conferência como a de que “o planeta continua na sala de emergência”. Seu estilo pouco diplomático não agrada a todos, mas é inegável que ele vem sendo ouvido. 

Um de seus petardos foi contra a prática do grenwashing, a ‘lavagem verde’ praticada por governos e empresas utilizando marketing não apoiado na realidade de suas atividades. 

Só que palavras fortes e sua liderança como Secretário-Geral da ONU não foram suficientes para que o resultado da cúpula atendesse às expectativas de ativistas, ambientalistas e parte dos países que esperam ajuda financeira. 

O passo rumo à justiça climática foi o ponto positivo da conferência, ainda que não existam definições sobre como e quando o dinheiro chegará a quem precisa, e quem vai pagar a conta.

A inclusão de florestas e sistemas alimentares pela primeira vez em um documento final da conferência foi outro motivo de alívio para ambientalistas. 

Entretanto, não houve acordo no principal tópico: a meta para manter o aquecimento global no limite de 1,5º em relação aos níveis pré-industriais. Nem na redução do uso de combustíveis fósseis. 

O texto do programa de trabalho em mitigação foi “tesourado”, nas palavras da ONG Observatório do Clima, até pelo Brasil. E a promessa de financiamento de US$ 100 bilhões ao ano para apoiar ações de mitigação e adaptação continua sendo promessa. 

O Brasil na COP27 

O Brasil foi uma das estrelas de uma conferência que não reuniu tantos líderes globais como a COP26, em Glasgow.

E que antes do início colocou o país-sede na berlinda por seu histórico de violações aos direitos humanos e restrições à participação popular, ainda mais dificultada por ser Sharm el-Sheikh em uma cidade distante da capital, Cairo.

As grandes passeatas e manifestações bem-humoradas registradas nas ruas da cidade escocesa deram lugar a poucos protestos e mais restritos, convocados por ONGs valentes que desafiaram a censura e os riscos impostos pelo regime do presidente Abdul Fatah Khalil Al-Sisi.  

Em compensação, a participação da sociedade civil marcou a passagem do Brasil pelo Egito, a exemplo das edições anteriores da conferência. 

Na COP25, em Madrid, lideranças ambientais se reuniram para criar um espaço próprio nas cúpulas do clima, diante de obstáculos para participar do stand oficial do governo brasileiro. 

Nesta 27ª edição da conferência, o Brazil Climate Action Hub foi mais uma vez um ponto de encontro dos diversos atores envolvidos das discussões sobre o clima: ativistas, ONGs ambientais, movimentos como os de indígenas e negros, associações de classe e representantes do setor empresarial.  

Na primeira semana da cúpula, a ex-ministra Marina Silva encontrou-se com líderes políticos e delegados de outros países importantes para as relações bilaterais e para a ajuda em projetos ambientais, como Noruega, Alemanha e EUA.

Na segunda semana, o discurso do presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, teve grande repercussão e animou os que esperam revisões em políticas como a do desmatamento. 

Ao cobrar apoio financeiro dos países desenvolvidos às nações que mais sofrem os efeitos das mudanças climáticas, o futuro  presidente alinhou-se ao que foi visto como uma das poucas vitórias dessa cúpula, a criação do fundo de perdas e danos. 

A euforia com a passagem de Lula tomou conta dos que estavam na COP27 e de importantes veículos de imprensa internacionais, como The Guardian, New York Times e Washington Post.

O influente jornal americano usou no título de sua reportagem a frase do futuro presidente, “o Brasil está de volta”. E destacou a promessa de o país se tornar um líder climático global.

Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima, uma das organizações responsáveis pelo Brazil Hub, comparou o interesse sobre o Brasil este ano ao que aconteceu com os EUA na cúpula do ano passado, em Glasgow.

Era a primeira COP de Joe Biden no cargo presidente do país, um alívio depois de quatro anos de negacionismo climático sob Donald Trump. 

Mas houve uma diferença: “Lula ainda não é chefe de estado, criando uma situação inédita”, constatou Angelo, em entrevista ao MediaTalks em que analisou a participação do país e os acordos celebrados. 

Apesar da cobertura favorável da imprensa internacional, Angelo faz um alerta: a mídia e a sociedade prestarão atenção nos atos do novo governo e não perdoarão se as promessas não forem cumpridas. 

A mesma opinião tem o acadêmico brasileiro Vinícius de Carvalho, vice decano internacional da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas do King’s College em Londres.   

Em entrevista ao MediaTalks, ele salienta que problemas como o alto nível de desmatamento não serão resolvidos de um dia para o outro pelo novo governo, mas reconhece o sentimento de otimismo.

” O discurso do mundo acadêmico sobre as ações para mitigar as mudanças climáticas e a forma de implementá-las não mudou.

A diferença na cúpula deste ano é que o discurso político de Lula foi mais em harmonia com o pensamento acadêmico.”

No entanto, ele lembra que o comportamento científico, especialmente em relação a questões políticas, é o de manter o escrutínio, sem entusiasmo com promessas. “Cientistas não têm crenças, eles testam fatos”, disse. 

A visão de jornalistas brasileiros sobre oito países que participaram da COP27

Jornalistas brasileiros acompanharam a participação de oito países na COP27 e como ela repercutiu internamente para o Especial MediaTalks COP27. 

Um relato frequente foi o de que a conferência desse ano não despertou tanto interesse da imprensa local como a do ano passado.

Em vários deles houve cobertura nos primeiros dias, mas depois o assunto sumiu do noticiário – e da atenção do público. 

“Concorrência” com a reunião do G20 em Bali e a ausência do líder do país em Sharm el-Sheikh estão entre as razões apontadas. 

Liz Lacerda, correspondente da Austrália

É o caso da Austrália. A correspondente Liz Lacerda conta que a presença do primeiro-ministro em um evento é o que determina o interesse da mídia local, e não o tema.

Embora Anthony Albanese tenha sido eleito com discurso fortemente apoiado no clima, ele não compareceu e recebeu críticas, segundo a jornalista. 

A versão australiana do jornal The Guardian comparou a ausência com a participação do americano Joe Biden: “durou apenas três horas, mas mostrou que foi um erro de Albanese não ir à COP27”, escreveu o jornal.

Mas os problemas do primeiro-ministro não se resumem à sua decisão de perder a conferência. 

A correspondente vê como mais preocupante a pressão sofrida de países insulares vizinhos cobrando ajuda financeira da Austrália e o escrutínio dos ativistas ambientais diante de riscos de aprovação de novos projetos de combustíveis fósseis.

Pesquisas mostram que os australianos são contra o uso do carvão, que tem grande peso na matriz energética do país. 

Japão, ‘Fóssil do Dia’ 

O primeiro-ministro japonês também preferiu não aparecer no Egito, e isso fez com que a mídia do país desse menos atenção à cúpula, como observou o correspondente Floriano Filho. 

Na análise para a edição especial do MediaTalks, ele descreveu o ceticismo do público local com a conferência, conforme demonstraram pesquisas. 

Floriano Filho registrou também a decepção de empresas japonesas de energia renovável, que lamentaram a participação acanhada por enxergarem a COP27 como oportunidade de negócios. 

Segundo o jornalista, o Japão tem cada vez mais dificuldades de atingir as metas de redução de emissões – está entre os cinco maiores emissores de gases do efeito estufa.

E foi ‘premiado’ durante a COP27 como o primeiro da série “Fósseis do Dia” pela ONG Climate Action Network. 

Argentina: menos carne e desafios na produção de alimentos 

A Argentina foi outro país em que as atenções sobre a conferência da ONU foram menores este ano, e não é por falta de motivo. 

Márcia Carmo

Em sua análise, a correspondente brasileira Márcia Carmo relata que ao mesmo tempo em que a cúpula acontecia, os vinhedos da região produtora do Malbec sofriam com geadas inéditas para novembro. 

O país que tem na produção agrícola uma das bases de sua economia vive o desafio de encontrar o equilíbrio entre produzir mais alimentos para atender à demanda mundial e reduzir o efeito estufa. 

Enquanto isso, os argentinos vão se tornando menos carnívoros, em parte pelos preços altos da carne e em parte por mudança de hábitos de jovens ‘e nem tão jovens’, como relatou Carmo. 

A jornalista acompanhou também a participação de outros países do Cone Sul na cúpula.

Um dos destaques foi o novo presidente da Colômbia, Gustavo Pietro, que fez um discurso no Egito propondo uma frente comum para salvar a Amazônia com a participação também do Brasil e da Venezuela. 

França: Macron vira ‘influencer’ ambiental 

O venezuelano Nicolás Maduro foi um dos que passou pela COP27, e acabou criando um constrangimento doméstico para o presidente da França, Emmanuel Macron, como contou a correspondente Deborah Berlinck. 

Um breve encontro no corredor, devidamente postado nas redes sociais, provocou uma onda de críticas a Macron, visto que a França não reconhece o governo venezuelano e o líder francês chamou o sorridente Maduro de ‘presidente’, relatou a jornalista. 

Berlinck constatou que a imprensa francesa “compareceu em peso” à COP27, dando grande visibilidade aos debates sobre mudanças climáticas. 

Segundo a jornalista, a questão ambiental mobiliza a população local a ponto de Emmanuel Macron ter ensaiado uma carreira de influencer, com uma sessão de perguntas e respostas via Twitter durante a COP27.

Mas recebeu críticas, como a de amizade com poluidores. 

No entanto, bastou a Copa do Mundo começar e a imprensa francesa ‘virou a página”, constatou a correspondente.

Maduro & Macron na pauta da mídia conservadora espanhola 

Em sua análise sobre as repercussões da COP27 na Espanha, o correspondente Alessandro Soler também registrou a atenção dada ao encontro de Nicolás Maduro com Emmanuel Macron, que virou pauta em veículos conservadores como Libertad Digital e El Español. 

As notícias foram citadas como exemplo de um comportamento observado por Soler na imprensa da Espanha, país que tem sofrido com efeitos severos das mudanças climáticas na forma de onda de calor e incêndios: a política dominando as conversas, e não a ciência. 

A grande mídia espanhola tratou a cúpula da ONU com destaque nos primeiros dias, acompanhando os passos do primeiro-ministro Pedro Sánchez. Depois deixou o tema em segundo plano. 

A exceção, como observou o jornalista, foi a rede pública RTVE, que manteve a COP27 em destaque nos telejornais. O tempo caiu nas demais emissoras, mas o espaço dedicado à previsão do tempo continuou alto, uma padrão na Espanha. 

Os boletins do tempo passam de cinco minutos e são apresentados por meteorologistas, o que ajuda a explicar fenômenos climáticos que a população vê em seu cotidiano à luz da ciência. 

Suécia: de campeã do clima a dúvidas sobre as mudanças climáticas 

Enquanto o futuro presidente brasileiro sinalizava na COP27 novos caminhos para as políticas ambientais capazes de reverter as percepções negativas sobre o país, a antes campeã do clima foi representada por seu novo governo de direita, e o resultado foi oposto. 

Claudia Wallin

Desde a COP26, a Suécia passou a figurar em quinto lugar no Climate Performance Index, ranking que avalia o desempenho ambiental das 57 maiores economias do mundo.

Nenhuma nação ocupa os três primeiros lugares, reservados a quem apresentar performance ‘muito boa’. Mas a Suécia perdeu o quarto lugar para a Dinamarca, como conta a jornalista brasileira Cláudia Wallin. 

Ela acompanhou as repercussões da participação do país na COP27 e os novos rumos da política ambiental sueca, que sofreu um baque a dias do encontro.

O governo extinguiu o Ministério do Meio Ambiente e do Clima como órgão independente, provocando reação furiosa de políticos, ambientalistas e da imprensa 

Wallin explica que a Suécia é agora liderada pelo premiê Ulf Kristersson, em um governo de coalizão formado pelos partidos Moderado, Democrata Cristão e Liberal, com o apoio do partido de extrema direita anti-imigração Democratas da Suécia.

“As novas diretrizes preveem cortes brutais no financiamento de programas ambientais, vistas por ambientalistas e cientistas como ‘golpe mortal’ contra os esforços de proteção ao clima, avaliou em sua análise. 

O discurso oficial de Kirstersoon na COP27 acabou cancelado e ele fez apenas uma entrevista coletiva para a imprensa. No dia seguinte o governo anunciou um corte nas verbas para programas ambientais, aprofundando ainda mais a crise. 

Enquanto isso, no Parlamento uma deputada da base do governo questionava a existência das mudanças climáticas, como relatou a jornalista. 

Itália: Greta fez falta 

Outra líder de direita estreante na COP27 foi a italiana Giorgia Meloni, que diferentemente do premiê sueco, reafirmou o compromisso com investimentos para combater os efeitos das mudanças climáticas. 

Ainda assim, segundo a correspondente brasileira Fernanda Massarotto, baseada em Milão, a atenção da mídia italiana à conferência deste ano foi bem menor. 

Fernanda Massarotto / Reprodução perfil LinkedIn

Em entrevista com a repórter de clima Ferdinando Cotugno, do jornal romano Domani, Massarotto identificou algumas razões para o baixo interesse.

Um deles foi a ausência de estrelas como a ativista italiana Martina Comparelli e a sueca Greta Thunberg, que tinham brilhado em Glasgow em 2021. 

Ela constatou que a imprensa local está cética quanto às promessas de Meloni, em um país que viveu 130 eventos climáticos severos em 2022. 

Reino Unido: Charles III longe da COP27 e perto das árvores 

No Reino Unido, a conferência do clima foi destaque no noticiário do início ao fim, o que pode se explicar pelo fato de o país ter sediado o encontro em 2021.

Ou pela forte cobertura do tema pelo jornal The Guardian, que se tornou referência mundial por seu engajamento na questão das mudanças climáticas, com ações como um editorial conjunto republicado em mais de 20 países.  

No entanto, a confusão política e crise econômica que assolam o Reino Unido respingaram na participação do país na COP27. Depois de dizer que não ia, o atual primeiro-ministro, Rishi Sunak, acabou comparecendo, já que seu antecessor no cargo, Boris Johnson resolveu ir ao Egito e ele ficaria em má situação.

No entanto, o veto à participação do rei ambientalista Charles III, por decisão da primeira-ministra Liz Truss que durou apenas seis semanas no cargo e deu lugar à Sunak, foi mantido.

Pode ter sido para não disputar atenções com ele ou para preservá-lo de críticas, visto que a administração de Truss chegou a liberar o polêmico método de extração de combustível “fracking”.

Se estivesse no Egito, Charles III poderia ter sido sofrido constrangimentos por isso e por declarações polêmicas como a de Jonhson, que durante a cúpula admitiu o papel do país como grande poluidor mas afirmou que não havia dinheiro para reparações em nações menos desenvolvidas. 

O rei Charles completou 74 anos no dia 14 de novembro, no meio da COP. Coincidência ou não, a foto oficial era a do rei sob uma árvore, que pode ter sido uma ironia brincando com a lenda de que ele é tão ambientalista que chega a conversar com plantas. 

Pesquisa em 12 países mapeia expectativas e tendências de consumo 

A COP27 é uma reunião política, em que delegados oficiais negociam acordos e líderes políticos expressam suas posições sobre como seus países estão preparados para lidar com a crise da mudança climática. Por isso, é acompanhada pelos que se preocupam com o futuro do planeta e cria visibilidade para o tema.

Durante a COP27, a empresa internacional de pesquisas de mercado Kantar divulgou uma pesquisa sobre as percepções e expectativa do público em relação às mudanças climáticas e à conferência realizada para encontrar soluções. 

Foram ouvidas 4,8 mil pessoas em 12 países, incluindo o Brasil, durante a primeira semana da conferência. Naquele momento, dois em cada três dos entrevistados já tinham ouvido falar do encontro, que ainda teria mais 12 dias pela frente.

Mesmo antes da presença do presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva na COP27, os brasileiros apareceram entre os de maior compreensão do que significava a conferência (44%), quase empatando com o maior índice verificado, de 45%, apresentado pelos indianos e britânicos. E estavam entre os mais otimistas com os resultados. 

O estudo mostrou também que depois dos governos, 75% dos entrevistados acham que o público tem responsabilidade em colaborar na solução da crise ambiental, enquanto 65% acham que o peso maior cai sobre as empresas. 

Combinados, os dois resultados apontam para a necessidade de marcas e corporações oferecerem ao público opções de consumo sustentável e reduzirem suas emissões. 

“Há um desejo claro de ver mais liderança e iniciativa do mundo corpo- rativo. Uma nova cultura de consumo está surgindo, e as marcas devem repensar como criam valor”, afirma Karine Trinquetel, Líder Global de Sustentabilidade da Kantar. 

Sustentabilidade na vida e na morte 

A tendência constatada pela Kantar está sendo aproveitada por marcas que acordaram para a oportunidade de oferecer opções para uma vida – ou até uma morte – sustentável.

O site americano Axios apontou esta semana a compostagem de restos mortais como uma das novidades a ser acompanhada. . A líder do setor é a Recompose, de Seattle. O processo de “usar os princípios da natureza para transformar os mortos em solo” custa US$ 7 mil, incluindo coleta, compostagem e a cerimônia final.

Moda descartável é outra oportunidade. Em Londres, a sofisticada Selfridges e marcas mais populares como Zara e Uniqlo lançaram serviços de conserto de roupas.

Um conserto simples pode custar mais caro do que uma peça nova na liquidação. Mas quem faz essa opção não está preocupado com economia.

Vale também para consumidores mais exigentes. A rede Shoe Lab recupera de um simples par de tênis a sofisticados sapatos Louboutin. 

COP27 e a ansiedade climática 

Eventos como a COP27 ajudam a conscientizar sobre os riscos ambientais mas ao mesmo tempo podem levar a um transtorno cada vez mais comum: a ansiedade climática, tema que mereceu atenção na conferência. 

Um dos debates na cúpula foi o painel Impactos Multifacetados das Mudanças Climáticas sobre a Saúde Mental, que teve como participantes as pesquisadoras Sanae Okamoto e Nidhi Nagabhatla, da Universidade das Nações Unidas. 

Em uma análise sobre o problema, elas salientam que eventos climá- ticos extremos impactam psicologicamente os que são diretamente afetados e aqueles que temem os riscos.

Além da já familiar eco-ansiedade, outras condições têm sido descritas, como a solastalgia ou “saudade sem sair de casa”, sentida por pessoas cuja terra natal ou ambiente familiar está mudando.

Em entrevista ao MediaTalks, as pesquisadoras fizeram recomendações, entre elas a de que a  imprensa seja parte da solução e não do problema.

“Embora haja consenso de que compartilhar verdades inconvenientes sobre as mudanças climáticas tem o potencial de pressionar governos e empresas, além de tornar as pessoas mais propensa a adotar hábitos sustentáveis, a forma de ‘empacotar’ essas informações é crucial.”

‘Já passamos da era da polêmica científica’

O papel da mídia no contexto das mudanças climáticas foi analisado no Especial COP27 pelo jornalista e professor brasileiro Rosental Calmon Alves. Ele fundou e dirige o Knight Center para o Jornalismo nas Américas, na Universidade do Texas, e acompanha com atenção os rumos da comunicação relacionada ao clima. 

Alves fez uma analogia com o filme ‘Don’t Look Up’ (Não olhe para cima), em que a imprensa estava insensível ao iminente fim do mundo. 

O professor afirma que passamos da era da polêmica científica, “pois a crise climática vai além de qualquer controvérsia”. E que o jornalismo deve cobrir com intensidade as questões envolvidas sob a ótica científica, evitando o tratamento adotado no passado, chamado “bothsiderism” ou ouvir os dois lados como se fossem lados equivalentes. 

Ele compara a cobertura das mudanças climáticas à da covid-19, que fez jornalistas de todas as áreas passaram a cobrir assuntos científicos sem estarem preparados para isso. 

No entanto, o jornalista lembra que a atenção maior sobre a pandemia teve um tempo limitado, enquanto as mudanças climáticas são um assunto que não tem data para acabar. 

“As escolas de comunicação devem incorporar aulas de jornalismo ambiental ou de jornalismo científico. Tomando como exemplo
a pandemia, o jornalismo ambiental é muito sério para ficar restrito a jornalistas especializados.

Nunca se sabe em que momento um jornalista vai ter que lidar com temas científicos, seja ele da editoria de economia, esportes ou cidades.”

Financiamento para fazer face às mudanças climáticas 

As soluções para a emergência climática dependem de dinheiro. E este é um tema complexo, que nem todos compreendem – incluindo jornalistas que precisam escrever sobre ele. 

Para o especialista em finanças climáticas Ben Broché, do Global Innovation Lab for Climate Finance, o limite de 1,5°C para o aquecimento global é uma meta que vai exigir não apenas investimentos pesados.

Ele explica que para alcançar o objetivo fixado no Acordo de Paris será necessária uma mudança profunda em todo o sistema financeiro global.

Em entrevista para o Especial COP27, ele celebra o que está acontecendo no espaço do capital de risco e do private equity, com empresas abraçando tecnologias climáticas de forma mais ampla, seja nos sistemas de energia ou em outros setores.

Segundo Broché, houve um aumento de capital de 50 ou 100 vezes em todo o setor em alguns casos nos últimos dois anos.

“Portanto, se prestarmos atenção aos sinais, podemos supor que os próximos 50 ou 100 unicórnios serão da área de tecnologia e clima, o que nos dá esperança”, diz. 

Nem todos estão com tanta esperança. O lobby da indústria do petróleo foi o maior grupo presente no Egito.

E a próxima edição da conferência será nos Emirados Árabes, no meio da maior área de produção petrolífera do mundo. 

António Guterres, o Secretário-Geral da ONU, tem muito trabalho pela frente para garantir que a COP28 não decepcione. 

O relatório completo pode ser visto aqui