Londres – Novas regras impostas pelas forças armadas da Ucrânia para limitar a presença de jornalistas em áreas de guerra despertaram protestos de associações locais e internacionais de imprensa, que enxergam nas medidas mais um obstáculo para o trabalho da mídia no país invadido pela Rússia. 

As regras proíbem os jornalistas de trabalharem nas chamadas “zonas vermelhas”, supostamente por serem mais perigosas,  e exigem escolta de um assessor de imprensa militar para trabalhar em áreas classificadas como zonas amarelas. Os jornalistas podem trabalhar livremente nas zonas verdes.

Entre as zonas proibidas, que seriam mais de 50, estão as cidades de cidades Novovolynsk e Bakhmut, palco de batalhas importantes na guerra com a Rússia. O presidente Volodymyr Zelensky esteve em Bakhmhut no dia 22 de março e o governo divulgou imagens da visita. 

Jornalistas sem liberdade na guerra da Ucrânia 

Não é a primeira recriminação à Ucrânia por atos que limitam a atuação da imprensa.

Em dezembro, o presidente Volodymyr Zelensky sancionou uma criticada lei de mídia, ampliando os poderes do Conselho Nacional de Radiodifusão e TV e abrindo até a possibilidade de fechamento de veículos sem depender de decisão judicial.

Jornalistas também tiveram acesso bloqueado a determinadas áreas ou perderam credenciais por supostamente desrespeitarem normas militares.

Em novembro, repórteres da rede britânica SkyNews e da CNN tiveram suas autorizações cassadas por cobrirem a retomada da cidade de Kherson. 

Desta vez as regras são gerais, valendo para toda a mídia, local e internacional, no entendimento das organizações. 

O primeiro a adotar as restrições, em 19 de março, foi o Comando Operacional Leste do exército ucraniano, um dos quatro comandos regionais. No dia seguinte, segundo o CPJ, o Comando Operacional Sul divulgou regulamentos semelhantes .

Oksana Romanyuk, chefe do grupo local de liberdade de imprensa Instituto de Informação de Massa (IMI), disse ao CPJ  que os regulamentos essencialmente proíbem os repórteres de cobrir a linha de frente na invasão da Ucrânia pela Rússia.

 “Todos estão chocados porque toda a linha de frente está fechada”, informou. 

“As autoridades da Ucrânia devem garantir que os regulamentos sobre reportagens em tempo de guerra não sufoquem a capacidade de os jornalistas fazerem seu trabalho e devem dialogar com grupos de imprensa locais para rever as regras promulgadas pelas autoridades militares”, disse o Comitê para a Proteção a Jornalistas (CPJ). 

“Esta decisão é completamente incompreensível”, protestou Jeanne Cavelier, chefe do escritório da Repórteres Sem Fronteiras (RSF) na Europa Oriental e Ásia Central.

“Os jornalistas têm acesso negado a certas áreas por decisão discricionária, enquanto uma das principais questões desde o início da guerra tem sido a divulgação de informações confiáveis ​​obtidas graças ao fato de os jornalistas poderem trabalhar livremente. Pedimos às autoridades ucranianas que suspendam imediatamente essas restrições indevidas e repensem completamente com o objetivo de facilitar o trabalho dos jornalistas”, disse. 

Trabalho de jornalistas sob a lei marcial 

As novas regras decorrem de emendas adotadas recentemente a um decreto de março de 2022 de Valerii Zaluzhnyi, comandante-em-chefe das Forças Armadas ucranianas, que regulamenta o trabalho de jornalistas sob lei marcial, de acordo com declarações do IMI e do Sindicato Nacional de Jornalistas da Ucrânia. .

Romanyuk disse ao CPJ que acreditava que os comandos operacionais norte e oeste desenvolveram regras semelhantes, mas não as publicaram devido às críticas recebidas pelas políticas de outros poderes.

As regras são criticadas também pela falta de clareza. Segundo a RSF,  jornalistas lutam para entender a lógica.

“É difícil entender como as cidades bombardeadas pelo exército russo foram listadas como zonas verdes, enquanto algumas cidades muito pacíficas são classificadas como zonas vermelhas”, disse Oksana Romaniuk, do IMI.

O CPJ pediu explicações sobre as restrições impostas a jornalistas ao Ministério da Defesa da Ucrânia, mas disse não ter recebido resposta. 

Natalia Gumenyuk, porta-voz do comando do sul, disse à agência de notícias do Ministério da Defesa da Ucrânia, ArmyInform , que os jornalistas ainda poderão acessar as zonas vermelhas para relatar eventos “que exigem cobertura imediata”, a critério de um comandante militar.

Romanyuk disse ao CPJ que a IMI e outros grupos estiveram em negociações “por vários meses” com as autoridades sobre as políticas de reportagem em tempo de guerra. Ela disse que os grupos recomendaram uma abordagem baseada em zonas, mas com zonas vermelhas usadas apenas em “casos muito excepcionais” e zonas amarelas correspondentes à linha de frente.

“Não esperávamos que transformassem tudo em zona vermelha”, disse, acrescentando que “várias dezenas” de municípios foram marcados em zonas vermelhas.

A lista de municípios incluídos em cada zona é atualizada semanalmente pelos comandos operacionais. Em uma versão recente a que  o CPJ teve acesso, as zonas vermelhas incluíam as cidades de Novomlynsk e Bakhmut, bem como Snihurivka, no sul.

‘Controle sobre os jornalistas’, diz editora

Katerina Sergatskova, editora-chefe do canal de notícias independente da Ucrânia Zaborona, disse ao CPJ  que via as regras como uma tentativa de “pôr mais controle sobre os jornalistas” na cobertura da guerra. 

Romanyuk e Sergatskova também disseram ao CPJ, e o IMI disse em um comunicado , que as escoltas militares necessárias para acompanhar os jornalistas nas zonas amarelas eram escassas. Romanyuk acrescentou que alguns jornalistas vivem e trabalham nessas zonas em tempo integral.

“Eles deveriam convidar um assessor de imprensa que ficaria sentado o dia todo em seu escritório?” disse Romanyuk.

“Perguntei a alguns assessores de imprensa, que são bons, e eles não entendem como isso pode funcionar”, acrescentou Sergatskova.

Em 21 de março, o Sindicato de Jornalistas da Ucrânia emitiu um comunicado dizendo que estava consultando as autoridades militares “para rever e cancelar restrições excessivas ao trabalho da imprensa na linha de frente da guerra e nos territórios ocupados”- 

“Questões de segurança em tempo de guerra podem justificar mudanças no acesso a determinadas zonas, mas as regras devem ser proporcionais e claras para todos os jornalistas. O sistema de credenciamento anterior, estabelecido pelas autoridades ucranianas em março de 2022, permitiu que milhares de jornalistas trabalhassem com a maior liberdade possível, mesmo que certos problemas fossem relatados”. apontou a RSF.