Mesmo com o aumento da repressão à imprensa pelo governo da Rússia, uma jornalista se arriscou a fugir da prisão domiciliar e cruzar a fronteira do país para a Geórgia.
O que parecia uma solução acabou se tornando um impasse legal, levando Insa Lander a viver na zona neutra entre os dois países por ter sua entrada na Geórgia recusada pelas autoridades, de acordo com o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) e o site Kavkazr, filiado à Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE/RL).
Em publicação no Telegram, Insa relatou a fome e sede que passou na fronteira, onde contou com doações de viajantes. “Estou muito cansada. Mas não perco a esperança. Eu tento não perder”, escreveu em 16 de junho.
Na Rússia, repressão a jornalistas aumentou com a guerra
O caso de Insa é um exemplo dos problemas que afetam jornalistas que precisam se exilar de seus países devido a perseguições, objeto de um relatório divulgado pelo Comitê de Proteção a Jornalistas no Dia Mundial do Refugiado (20 de junho).
Com a invasão da Rússia à Ucrânia, em fevereiro, o governo do presidente Vladimir Putin intensificou a repressão aos jornalistas nacionais e estrangeiros, em especial aos profissionais independentes.
Uma lei aprovada no parlamento do país em março estipula prisão de até 15 anos para jornalistas que publicarem “notícias falsas” sobre a guerra, o que significa a censura da divulgação de informações não aprovadas pelo Kremlin.
Mas mesmo antes do início do conflito com o país vizinho, Putin já reprimia o trabalho de jornalistas de grandes organizações e da mídia independente.
Foi assim com a blogueira Insa Lander, cujo verdadeiro nome é Insa Oguz, que estava em prisão domiciliar na cidade russa de Baksan, perto da fronteira com a Geórgia, desde dezembro de 2021, após ser acusada de terrorismo.
Ela contou ao CPJ, via troca de mensagens, que as autoridades russas a acusam de tentar recrutar um conhecido para se juntar ao Estado Islâmico em 2014.
Mas essas alegações, segundo a jornalista, são uma retaliação por uma matéria que ela estava para publicar sobre suposta corrupção por uma autoridade local.
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No dia 12 de junho, Insa fugiu de sua prisão domiciliar e passou pelas autoridades de fronteira russas para entrar na Geórgia.
No Telegram, ela narrou parte da fuga:
“Em 12 de junho, em um feriado maravilhoso chamado ‘Dia da Rússia’, escapei da prisão domiciliar.
Tentei nadar pelo [rio] Terek – quase me afoguei, bati as pernas, quebrei as unhas, tive hematomas e contusões.
[Enquanto nadava no rio], voltei no meio do caminho, pois percebi que havia uma corrente ainda mais turbulenta pela frente e com certeza não a superaria.”
Ao chegar do outro lado da fronteira, porém, as autoridades georgianas negaram sua entrada no país.
Desde então, Insa está na zona neutra entre os dois países, dormindo em um banco na seção duty-free do posto de controle e contando com viajantes que cruzam a fronteira para se alimentar.
Em seu canal no Telegram, a jornalista também relatou maus tratos sofridos pelas autoridades do país vizinho:
“Negação de asilo, manipulação, pressão psicológica, ameaças, assédio da polícia onde quer que eu vá; uma proibição tácita de funcionários me ajudarem (distribuir wi-fi, dar água).
De 12 a 14 de junho, eu estava morrendo de fome e não dormia de estresse, pegava água onde podia. Então os caminhoneiros me alimentaram, me deixaram dormir num táxi.”
Insa Lander é uma jornalista independente que publicou investigações sobre supostos golpes de doação e casos de abuso físico e sexual, segundo o CPJ. As matérias que produz são compartilhadas em suas contas do Twitter e Telegram, onde tem cerca de 3,7 mil e 3,4 mil seguidores, respectivamente.
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A organização independente de direitos humanos Memorial, com sede na Rússia, que estudou o caso da blogueira, concluiu que as acusações das autoridades russas foram “politicamente motivadas”.
Em um comunicado divulgado no dia 16 de junho, o Ministério do Interior da Geórgia disse que Insa solicitou asilo em 13 de junho depois de inicialmente ter a entrada recusada por fornecer “informações falsas e inconsistentes” sobre o objetivo de sua visita.
Essa declaração não forneceu detalhes sobre o status do pedido de asilo da jornalista, e afirmou que a lei georgiana e a Convenção da ONU para Refugiados permitiam que as autoridades negassem a entrada de pessoas acusadas de terrorismo por motivos de segurança nacional.
O CPJ destaca que, se condenada por acusações de terrorismo na Rússia, a jornalista pode enfrentar até 10 anos de prisão de acordo com as disposições da lei criminal em vigor no momento de sua prisão.
Insa também foi colocada na lista de apoiadores do terrorismo e do extremismo da agência de inteligência financeira russa Rosfinmonitoring, restringindo seu acesso a suas contas bancárias, disse ela ao comitê.
Com a repercussão do caso, o embaixador da Lituânia na Geórgia, Andrius Kalindra, afirmou que seu país estava pronto para fornecer um visto a jornalista se as autoridades georgianas não a aceitarem.
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