Londres – A liberdade de imprensa está sendo suprimida rapidamente no Paquistão desde que Shehbaz Sharif assumiu o cargo de primeiro-ministro no final de abril, alerta a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) em um relatório sobre a situação vivida pelo país nos últimos três meses. 

A entidade monitora a situação do jornalismo e casos de ataques contra profissionais em todo o mundo, e constatou um crescente assédio à mídia promovido pelo exército paquistanês desde a posse de Sharif. 

A agressão mais recente foi registrada no dia 9 de julho, quando o âncora da emissora BOL News, Sami Ibrahim, foi surpreendido por três homens que o esperavam na frente do prédio da TV para intimidá-lo.

Militares tentam minar a imprensa do Paquistão

Shehbaz Sharif ascendeu como premiê do Paquistão após a queda do antecessor Imran Khan. O mandato de Khan foi marcado por violações da liberdade de imprensa e tentativas de interferência na mídia, segundo a RSF.

“Assédio a jornalistas, ataques físicos, ataques a tiros, sequestros, ameaças contra jornalistas que vivem no exterior, bloqueio de sinais de transmissão e censura direta da mídia tradicional, plataformas de vídeo e mídias sociais. A lista de abusos [contra a imprensa] parece interminável.”

A troca de líder não cessou o assédio aos jornalistas paquistaneses. E o exército é apontado como grande responsável pelos atos.

Segundo a RSF, autoridades políticas tentam frear o avanço dos militares e proteger os direitos dos jornalistas e da mídia independente.

Em abril, apesar de toda a turbulência política e social no país, o Supremo Tribunal de Islamabad considerou inconstitucional um projeto de lei apresentado pelo ex-premiê que incluía novos regulamentos para processar jornalistas.

A Portaria de Emenda à Lei de Crimes Eletrônicos do Paquistão (PECA, em inglês) permitiria que qualquer pessoa registrasse queixa contra a publicação das chamadas notícias falsas em redes sociais e aumentaria a pena de prisão de três para cinco anos para os considerados culpados.

Porém, a perseguição à imprensa continua no Paquistão.

Ao menos nove casos de intimidação de jornalistas foram contabilizados desde que Sharif assumiu como primeiro-ministro — todos ligados ao exército, segundo a RSF.

O jornalista Sami Ibrahim é o exemplo mais recente do assédio que os profissionais enfrentam no país. No dia 9 de julho, ao deixar o prédio da emissora em que trabalha em Islamabad, três pessoas o esperavam do lado de fora.

Em um vídeo postado em seu canal no YouTube no dia seguinte, o jornalista contou que  foi ofendido e assediado enquanto os agressores filmavam a situação. Depois, eles foram embora em um carro com placas verdes, que, segundo Ibrahim, são usadas por veículos estatais.

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Jornalista paquistanês Sami Ibrahim gravou vídeo para falar sobre assédio (Foto: Reprodução/YouTube)

O incidente ocorreu seis semanas após Ibrahim ser processado por “difamação”, “declarações que provocam danos públicos” e “incentivo ao motim”. A última acusação pode levar a uma sentença de prisão perpétua, de acordo com a RSF.

A acusação de motim é referente a declarações públicas feitas pelo jornalista questionando os mecanismos internos do aparelho estatal paquistanês e, em particular, o papel do exército na política. 

Sequestros de jornalistas por 24h é prática comum

Em um caso paralelo, outro conhecido jornalista de TV foi preso por criticar o atual governo do Paquistão. Imran Riaz Khan é âncora da emissora Express News TV e foi detido no dia 5 de julho enquanto viajava de carro para Islamabad.

No dia anterior, ele postou um vídeo em seu canal no YouTube no qual falou sobre o assédio e ameaças que ele e sua família sofriam de um general do exército paquistanês.

Nas declarações, Khan não escondeu seu apoio a Imran Khan, o primeiro-ministro deposto em abril, e questionou o papel das forças armadas na retirada dele do cargo e nomeação de Sharif como primeiro-ministro.

Desde maio, o jornalista é alvo de pelo menos 17 acusações sob a lei de prevenção de crimes eletrônicos e outros artigos do código penal – acusações que incluem “ferir os sentimentos do povo paquistanês” e “traição”, segundo a RSF.

Depois de apresentar recursos na justiça, Khan foi libertado sob fiança no dia 9 de julho e tem uma nova audiência marcada para 19 de julho. Ele corre o risco de pegar pena de morte, destaca a organização.

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O jornalista Imran Riaz Khan ficou preso por alguns dias pela polícia paquistanesa (Foto: Reprodução/YouTube)

Também depois de criticar o governo do Paquistão publicamente, o jornalista Ayaz Amir, da emissora Dunya News, foi atacado na noite de 30 de junho. Ele foi tirado de seu carro e espancado por desconhecidos quando voltava para casa após sair do canal de TV.

De acordo com a RSF, Amir havia participado no dia anterior de um seminário sobre as consequências da recente mudança de governo e fez críticas à influência do exército na política paquistanesa, referindo-se aos generais como “traficantes” por negociarem cargos governamentais. 

Dias antes, outro flagrante caso de violência à imprensa do Paquistão aconteceu com Arsalan Khan, um comentarista independente que trabalhou para a Geo News TV. Ele foi sequestrado em sua casa na cidade de Karachi, no dia 24 de junho, por integrantes do grupo paramilitar Pakistan Rangers.

Após 24 horas, ele foi libertado e seus sequestradores admitiram que o capturaram por causa das supostas relações do profissional da mídia com “grupos terroristas” – alegações para as quais a RSF não encontrou evidências.

Sequestro de jornalistas por curtos períodos é uma prática comum de intimidação usada contra jornalistas por agências de inteligência militar paquistanesas, destaca a organização no relatório. 

No dia 13 de junho, o jornalista Naeem Nazim, da Aaj News TV, foi sequestrado em plena luz do dia também em Karachi por um grupo de homens em trajes civis.

Depois de ser interrogado por várias horas, ele foi liberado no dia seguinte, mas teve seu celular acessado e os dados coletados pelos sequestradores. As autoridades negaram qualquer envolvimento em seu sequestro, mas não investigaram o caso.

Crítica aos militares é ponto em comum em todos os casos

Além desses casos de intimidação física, a RSF registrou quatro casos de assédio judicial contra jornalistas por agências de espionagem do Paquistão.

O âncora da emissora ARY News, Arshad Sharif , foi acusado em 21 de maio de “espalhar o ódio contra os militares e as instituições do estado” e recebeu várias visitas de membros da Agência Federal de Investigação do país.

Sabir Shakir, outro jornalista da ARY News, também descobriu em maio que estava sendo investigado por supostamente postar comentários “anti-Estado” nas redes sociais. Ele pediu demissão no dia 26 de maio porque temia represálias das autoridades.

Moeed Pirzada, jornalista com nacionalidade britânica e paquistanesa que trabalha para o canal de TV 92 News, recebeu ameaças anônimas de processos judiciais via telefone na mesma época e por motivos semelhantes, segundo a RSF.

Jameel Farooqi, apresentador de debates na emissora BOL News, disse em um vídeo do YouTube no final de maio que também foi alvo de processos judiciais.

“A única coisa que esses jornalistas têm em comum é que, de uma forma ou de outra, questionaram o papel que o exército desempenha na política paquistanesa”, destaca a organização.

A RSF questionou as autoridades paquistaneses sobre todos esses casos por duas vezes, mas não recebeu nenhuma resposta.

“Está claro pelos dados que as forças armadas lançaram uma grande campanha para intimidar jornalistas críticos [ao governo]”, disse Daniel Bastard, chefe da RSF na região Ásia-Pacífico.

“Esse tipo de interferência, que é absolutamente intolerável, deve parar imediatamente, ou então o chefe do Estado-Maior do Exército, general Qamar Javed Bajwa, será responsabilizado diretamente pelo declínio da liberdade de imprensa no Paquistão”, acrescentou.

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