Londres – O governo da Ucrânia está sendo criticado por organizações internacionais por um projeto de lei destinado a ampliar o poder do Conselho Nacional de Radiodifusão e Televisão, o regulador estatal da mídia.

O projeto foi defendido como uma forma de combater a desinformação propagada pela Rússia após a invasão do país, que já registrou casos de perseguição a jornalistas e obstáculos à cobertura em seu território. 

A tramitação do projeto  acontece ao mesmo tempo em que a Rússia causa preocupações sobre a diminuição da liberdade de imprensa. Desde o início do conflito armado, o Kremlin aumentou a repressão e censura contra jornalistas no país.

Ucrânia precisa regular mídia para entrar na UE

A Ucrânia é candidata a aderir à União Europeia e, para ter o pedido considerado, precisa reformar suas leis de mídia.

A Comissão Europeia exige que o país adote uma lei de mídia que harmonize a legislação ucraniana com a diretiva da UE sobre serviços audiovisuais e capacite um regulador de mídia independente.

Por isso, a chefe do órgão regulador estatal ucraniano, Olga Gerasimyuk, afirmou no início do mês que a legislação de mídia apresentada pela primeira vez em 2019 poderia ser votada pelo parlamento do país, o Verkhovna Rada, “antes do Dia da Independência [24 de agosto].”

O ministro da Cultura, Oleksandr Tkachenko, anunciou seu apoio ao projeto dizendo que a lei “ajudaria a combater a propaganda russa”.

Na semana passada, o governo da Ucrânia informou que o projeto de lei foi enviado à Comissão Europeia para recomendações e o parlamento não deve votar a proposta até que o bloco europeu avalie o texto.

Mas a proposta não é vista com bons olhos por organizações de jornalismo, incluindo o CPJ e o Sindicato Nacional de Jornalistas da Ucrânia (NUJU).

De acordo com o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), o projeto prevê ampliação de poderes do órgão regulador ucraniano, permitindo a cassação de registros de portais de notícias, aplicação de multas e até fechamento de empresas jornalísticas por determinação judicial.

O presidente do NUJU, Sergiy Tomilenko, disse ao CPJ que o projeto de lei foi “desenvolvido nos bastidores, sem diálogo aberto”.

E que as autoridades já têm “mecanismos suficientes” à sua disposição para deter a propaganda russa.

Em nota encaminhada ao governo, o sindicato pediu:

“Não realizem uma grande reforma da mídia em tempos de guerra e não tirem o foco dos jornalistas de seu trabalho em um momento em que o jornalismo profissional é mais importante do que nunca”.

Para virar lei, o texto precisa passar por três leituras no parlamento e, depois, ser sancionado pelo presidente Volodymyr Zelensky.

O CPJ se diz favorável a uma nova legislação, mas criticou o excesso de controle governamental. 

“Uma revisão da legislação de mídia ultrapassada da Ucrânia é necessária se o país quiser cumprir os padrões da UE, mas os legisladores não devem usar tais reformas como pretexto para expandir o controle governamental sobre as informações”, disse Carlos Martinez de la Serna, diretor de programas do CPJ.

Segundo o CPJ, desde que a Rússia iniciou a invasão ao país em 24 de fevereiro, o governo da Ucrânia fez uma série de restrições aos jornalistas, incluindo impedi-los de cobrir as linhas de frente de combate, entrevistar soldados e fazer reportagens sobre os equipamentos militares ucranianos.

Em abril, autoridades e representantes governamentais da mídia emitiram uma declaração conjunta exigindo que os profissionais de imprensa esperassem várias horas antes de relatar os bombardeios para preservar o “sigilo militar” do país.

Mesmo com essas ações, a mídia ucraniana ainda dispõe de mais liberdade e atuação na guerra do que a russa.

A nação governada por Vladimir Putin suprime cada dia mais as atividades da imprensa.

Jornalistas são perseguidas por reportagem investigativa

Ainda que a Ucrânia forneça um ambiente menos hostil para os jornalistas durante a guerra, relatos de perseguição e assédio à imprensa também surgiram no país desde o início do conflito.

No final de junho, duas profissionais da mídia relataram que receberam ameaças após noticiarem a demissão de uma funcionária do governo.

Sevgil Musaieva e Sonya Lukashova são, respectivamente, editora-chefe e correspondente do site de notícias Ukrainska Pravda.

No dia 27 de junho, uma matéria investigativa assinada por Sonya relacionou a saída da ouvidora federal aos supostos relatos exagerados que ela fornecia à imprensa sobre as mortes de civis no conflito.

Dias após a matéria ir ao ar, as duas receberam telefonemas e mensagens hostis nas redes sociais. Uma delas, no Facebook, dizia: “Sevgil, tenho a sensação de que sua garganta será cortada. Eu não sei quem e quando – mas corra.”

Os nomes das duas jornalistas foram listados em um banco de dados administrado pelo site nacionalista ucraniano Myrotvorets, que publicou suas informações pessoais e as acusou de usarem “a chamada atividade jornalística” para apoiar a Rússia.