Há quatro anos consecutivos, o México é o país com maior número de jornalistas assassinados no mundo, e 2022 foi o ano com o maior número de vítimas já registrado.

A impunidade é a regra nestes casos, e, das 105 investigações sobre homicídios de jornalistas conduzidas pela Procuradoria Especial Federal para Crimes Contra a Liberdade de Expressão (Feadle), desde sua criação em 2010 até maio de 2022, apenas seis resultaram em condenações.

Para responder à violência e às ameaças ininterruptas, foi criada a rede ‘Tejidos Solidarios’, uma iniciativa da ONG de direitos humanos Proposta Cívica.

ONG apoia famílias de jornalistas assassinados

A rede utiliza uma metodologia própria para oferecer apoio psicoemocional e jurídico às famílias das vítimas de jornalistas assassinados e desaparecidos, assim como para manter viva a memória daqueles que perderam a vida dedicando-se ao ofício de investigar e informar.

A Proposta Cívica auxilia famílias de jornalistas vítimas de violência há 12 anos, enquanto a rede ‘Tejidos Solidarios’ surgiu em 2021 e tornou-se pública em abril deste ano. 

A iniciativa parte do entendimento de que parentes das vítimas sofrem com isolamento, medo e falta de ferramentas de apoio. Para enfrentar esses problemas, houve a formação de uma rede nacional na qual os parentes das vítimas podem se unir e encontrar suporte mútuo.

“Embora exista uma grande quantidade de pessoas desaparecidas e assassinadas no México e haja movimentos e redes de famílias buscando seus parentes, no caso dos jornalistas, as famílias estavam totalmente isoladas”, explicou à LatAm Journalism Review (LJR) Sara Mendiola Landeros, diretora executiva da Proposta Cívica, que coordena a ‘Tejidos Solidarios’.

“Muitas vezes, as famílias dos jornalistas optam pelo isolamento devido ao medo e aos perigos de se manifestar. Isso só agrava sua vulnerabilidade e sofrimento. Assim surge a ideia de formar uma rede nacional”. 

Jornalistas vítimas da violência no México

Uma das famílias atendidas é a do jornalista Javier Valdez, assassinado em 15 de maio de 2017 em seu estado natal de Sinaloa, no Oeste do país.

Sua filha, Tania Valdez, diz que sua aproximação com a Proposta Cívica ocorreu no ano seguinte ao crime. Tania participou dos três encontros nacionais da ‘Tejidos Solidarios’, o último deles realizado nos primeiros dias de junho.

“Poder realizar estes processos acompanhados por outras famílias nos fortaleceu muito, porque sabemos que há outros grupos de pessoas que passaram pela mesma coisa, e compartilhamos os mesmos sentimentos e emoções”, disse Tania à LJR.

“No meu caso, por exemplo, há outras meninas da minha idade, filhas de jornalistas desaparecidos, que também não têm pai. Criar esses vínculos ajuda a preencher um pouco o vazio que está no meu coração porque meu pai não está mais aqui”. 

Também faz parte da rede Guadalupe Ángeles Méndez, filha do jornalista Ramón Ángeles Zalpa, que desapareceu no dia 6 de abril de 2010 em Paracho, em Michoacán, no Centro-Oeste do país, sem até hoje ter o paradeiro esclarecido.

O governo mexicano algumas vezes ofereceu apoio psicológico, e ela o descreveu como uma perda de tempo e emocionalmente prejudicial.

“O acompanhamento psicológico foi o pior que eu poderia ter. Seus discursos sempre foram muito ruins. Longe de acalmar ou sanar o meu luto inconcluso, só vieram prejudicar um pouco mais essa parte emocional”, disse ela.

Esta experiência entra em contraste direto com a oferecida pela Propostas Cívicas.

“O acompanhamento psicológico proporcionado pela Propostas Cívicas tem sido muito bom. Mais tarde, a criação de ‘Tejidos Solidarios’ também deu esperança, sabendo que você poderá acompanhar outras pessoas com base em sua experiência”.

Acesso à justiça 

Sete núcleos familiares atualmente são atendidos pela ‘Tejidos Solidarios’, e no início de junho, momento da entrevista, outros dois estavam prestes a também passar a integrar a rede.

Múltiplas ações compõem a assistência oferecida, incluindo, além do apoio psicossocial e emocional e da promoção da união entre famílias, acompanhamento jurídico, documentação e investigação e contribuição com políticas públicas.

Segundo a diretora executiva da ‘Tejidos Solidarios’, a maior parte das vítimas assassinadas trabalhava com jornalismo investigativo sobre temas de corrupção, narcotráfico e infiltração pelo crime organizado no Estado nos estados mais violentos do país.

O auxílio no acesso à justiça é uma das ações mais importantes, em um país onde a não resolução dos crimes é a regra.

“Os índices de impunidade em nosso país são altíssimos. Quando se trata de homicídios, a impunidade chega a 95%. No caso de desaparecimentos, a impunidade é de 100%.

Nenhuma autoridade esclareceu o desaparecimento de um jornalista, o que mostra que o Estado mexicano não tem interesse em reverter esse quadro de violência, assédio e criminalização contra os jornalistas”, disse Mendiola Landeros.

“Diante disso, as vias de acesso à justiça para as famílias são tortuosas. E parte dos objetivos da ‘Tejidos Solidarios’ é justamente abrigar mais famílias, uni-las em rede e gerar ações de incidência política e demanda por acesso à justiça, verdade e reparação de danos”, acrescentou.

De acordo com Ángeles Méndez, a apresentação de uma denúncia pelo desaparecimento do pai foi inicialmente difícil devido aos protocolos e regras estabelecidas que impedia a família de registrar queixa antes de transcorridas 72 horas do desaparecimento. 

No entanto, seu pai, que também trabalhava como professor universitário de Pedagogia, tinha ligações com algumas pessoas que trabalhavam no governo, e sua mãe os procurou para informá-los sobre a situação e enfatizar que o desaparecimento não era uma ocorrência comum. 

Contatos no Ministério Público então fizeram pressão para que a denúncia fosse registrada imediatamente, contornando os habituais três dias de espera.

Ángeles Méndez explicou que a apresentação da queixa foi apenas uma formalidade, já que nenhuma ação significativa foi tomada desde então. 

Embora sua mãe tenha sido “muito insistente”, após um período inicial, ficou claro que não havia interesse suficiente por parte do Estado mexicano para elucidar o crime.

“A única coisa feita foram as audiências aonde minha mãe foi e que duraram provavelmente cerca de dois meses. Ela foi muito persistente em ir a lugares diversos, sobretudo por ele ser jornalista e professor. Foi através do seu trabalho como jornalista que houve mais visibilidade e pressão”, disse Ángeles Méndez.

“No entanto, essencialmente nada foi feito e não se pode dizer que se teve acesso à justiça.

Alguns indivíduos ou advogados nos procuraram durante esse período para preencher formulários, o que resultou na distribuição de alguns documentos e folhetos de busca em várias partes do país. Mas isso é tudo”. 

Denúncia na ONU

Com a ajuda da Proposta Cívica, a família passou pelo processo judicial de declaração de presunção de morte para Ángeles Zalpa, que envolveu um procedimento de dois anos para obter a documentação necessária para fins legais.

Em novembro do ano passado, a Proposta Cívica e a Repórter Sem Fronteiras apresentaram uma denúncia perante o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas apontando a responsabilidade do Estado mexicano no caso do desaparecimento de Ángeles Zalpa e do jornalista Mauricio Estrada Zamora, em 2008.

O caso de Javier Valdez é uma exceção ao padrão de impunidade, pois houve a condenação de dois dos três acusados de serem os autores materiais. Atualmente, a Proposta Cívica busca a extradição do autor intelectual, que se encontra nos Estados Unidos.

A família de Valdez viveu sob a proteção do mecanismo federal na Cidade do México por dois anos. Sua esposa e seu filho ainda vivem sob deslocamento forçado e não puderam voltar para Sinaloa.

“Exigir Justiça no México é muito revitimizante, um processo muito cansativo, muito desgastante, especialmente mental e emocionalmente”, disse sua filha Tania.

“O caminho para acessar a Justiça é complicado. Muitas vezes as autoridades mexicanas não são treinadas e não têm essa parte humana para entender o sofrimento das vítimas”.

Justiça urgente

Em termos de políticas públicas, a mais urgente, segundo Mendiola Landeros, é justamente que a justiça funcione. Segundo ela, muitos recursos humanos e financeiros foram destinados à política de proteção no México, mas o mecanismo de proteção para jornalistas e defensores não é eficiente nem preventivo. 

Em seu entendimento, a justiça não pode contar apenas com um mecanismo de proteção reativa; no lugar disso, é necessário fortalecer a política pública penal para enfrentar os crimes cometidos contra jornalistas.

“Ficamos fascinados ou obcecados em fortalecer a política pública de proteção e abandonamos a política pública criminal, e isso teria que ser o contrário”, afirmou a coordenadora da ‘Tejidos Solidarios’.

“Enquanto a política pública criminal não for fortalecida para enfrentar crimes cometidos contra jornalistas, não haverá mecanismo que funcione ou recurso público suficiente para proteger os jornalistas”.


Sobre o autor

André Duchiade é jornalista e tradutor. Trabalhou como repórter na editoria de política internacional de O Globo. Ele também foi fellow de mídia no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim.


Este artigo foi publicado originalmente no LatAm Journalism Review, um projeto do Knight Center for Journalism in the Americas (Universidade do Texas em Austin). Todos os direitos reservados ao autor.