Londres – Após um ano marcado por recordes de calor, com duas guerras envolvendo potências nucleares e a inteligência artificial ampliando a desinformação, os ponteiros do Doomsday Clock continuaram em 2024 com a simbólica hora do juízo final em seu ponto mais avançado: 90 segundos para a “meia-noite do apocalipse”.
O relógio foi criado em 1947 e está fisicamente na Universidade de Chicago, de onde a nova hora foi transmitida nesta terça-feira (23) por especialistas do Bulletin of Atomic Scientists.
Em 2023, ele também marcou 90 segundos para a meia-noite. Desta vez os cientistas não demonstraram mais otimismo, embora tenham ressaltado avanços no controle das mudanças climáticas e esforços de regulamentação da IA.
Por que o relógio da hora do juízo final avançou em 2024
A hora do Relógio do Juízo Final é definida pelo Boletim do Conselho de Ciência e Segurança dos Cientistas Atômicos (SASB) em consulta com o seu Conselho de Patrocinadores, que inclui nove Prêmios Nobel.
Segundo os cientistas, uma variedade de ameaças globais lançam “sombras ameaçadoras” sobre as deliberações do Relógio de 2024, incluindo:
- a guerra Rússia-Ucrânia e a deterioração dos acordos de redução de armas nucleares
- a crise climática e a designação oficial de 2023 como o ano mais quente já registado
- a crescente sofisticação das tecnologias de engenharia genética
- o avanço dramático da IA generativa, que poderá ampliar a desinformação e corromper o ambiente de informação global, tornando mais difícil a resolução dos maiores desafios existenciais.
Rachel Bronson, PhD, presidente e CEO do Bulletin, disse:
“Não se enganem: manter o relógio de 90 segundos para meia-noite não é uma indicação de que o mundo está estável. Muito pelo contrário. É urgente que governos e comunidades em todo o mundo ajam. E o Boletim continua esperançoso – e inspirado – em ver as gerações mais jovens liderando a reação.”
A declaração do Relógio do Juízo Final afirma:
“Tendências sinistras continuam a apontar o mundo para uma catástrofe global. A guerra na Ucrânia e a dependência crescente de armas nucleares aumentam o risco de uma escalada nuclear.
A China, a Rússia e os Estados Unidos estão gastando enormes somas para expandir ou modernizar os seus arsenais nucleares, aumentando o perigo de uma guerra nuclear através de falhas ou erros de cálculo.
Em 2023, a Terra viveu o ano mais quente de que há registo. Inundações massivas, incêndios florestais e outras catástrofes relacionadas com o clima afetaram milhões de pessoas em todo o mundo.
Ao mesmo tempo, aceleraram-se os desenvolvimentos rápidos e preocupantes nas ciências da vida e noutras tecnologias disruptivas, enquanto os governos fizeram apenas débeis esforços para o seu controle. “
Entenda as três ameaças mapeadas pelo Doomsday Clock
Uma Perspectiva Sinistra de Mudanças Climáticas
- Em 2023, o mundo entrou num território desconhecido, ao sofrer o ano mais quente de que há registo e as emissões globais de gases com efeito de estufa continuaram a aumentar. As temperaturas globais e da superfície do mar do Atlântico Norte bateram recordes, e o gelo marinho da Antártica atingiu a sua extensão diária mais baixa desde o advento dos dados de satélite.
- O mundo já corre o risco de ultrapassar uma meta do acordo climático de Paris – um aumento da temperatura não superior a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais – devido a compromissos insuficientes para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e à implementação insuficiente dos compromissos já assumidos.
- O mundo investiu um valor recorde de 1,7 bilhões de dólares em energia limpa em 2023, e os países que representam metade do produto interno bruto mundial comprometeram-se a triplicar a sua capacidade de energia renovável até 2030.
- No entanto, foram feitos investimentos em combustíveis fósseis de quase 1 bilião de dólares. Os atuais esforços para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa são insuficientes para evitar os perigosos impactos humanos e econômicos das alterações climáticas, que afetam desproporcionalmente as pessoas mais pobres do mundo.
Leia também | Após um 2023 de recordes, cientista explica por que poluição climática pode começar a cair em 2024
Evolução das ameaças biológicas
- A revolução nas ciências da vida e nas tecnologias associadas continuou a expandir-se no ano passado, incluindo, especialmente, o aumento da sofisticação e eficiência das tecnologias de engenharia genética.
- Destacamos uma questão de especial preocupação: a convergência de ferramentas emergentes de inteligência artificial e tecnologias biológicas pode capacitar radicalmente os indivíduos para fazerem mau uso da biologia.
- Em outubro, o presidente dos EUA, Joe Biden, assinou uma ordem executiva sobre “IA segura, protegida e confiável” que apela à proteção “contra os riscos do uso de IA para projetar materiais biológicos perigosos, desenvolvendo novos padrões fortes para a triagem de síntese biológica”. Embora seja uma medida útil, a ordem não é juridicamente vinculativa.
- A preocupação é que os grandes modelos de linguagem permitam aos indivíduos que, de outra forma, não teriam conhecimentos suficientes, identificar, adquirir e implementar agentes biológicos que prejudicariam um grande número de seres humanos, animais, plantas e outros elementos do ambiente.
- Os esforços revigorados no ano passado nos Estados Unidos para rever e reforçar a supervisão da investigação arriscada em ciências da vida são úteis, mas é necessário muito mais.
Os perigos da IA
- A IA é uma tecnologia disruptiva paradigmática e os esforços recentes na governança global da IA devem ser expandidos.
- A IA tem um grande potencial para ampliar a desinformação e corromper o ambiente de informação necessário para resolver grandes problemas globais e dos quais depende a democracia.
- Os esforços de desinformação possibilitados pela IA podem ser um fator que impede o mundo de lidar eficazmente com os riscos nucleares, as pandemias e as alterações climáticas.
- Os usos militares da IA estão se acelerando. O uso extensivo da IA já está ocorrendo em inteligência, vigilância, reconhecimento, simulação e treinamento. Particularmente preocupantes são as armas letais autônomas, que identificam e destroem alvos sem intervenção humana.
- As decisões de colocar a IA no controle de sistemas físicos importantes – em particular, armas nucleares – podem, de fato, representar uma ameaça existencial direta para a humanidade.
- Felizmente, muitos países reconhecem a importância de regulamentar a IA e estão tomando medidas para reduzir o potencial de danos.
- Mas são apenas pequenos passos; muito mais deve ser feito para instituir regras e normas eficazes, apesar dos desafios.
Veja o vídeo da apresentação.
Hora do Juízo Final é marcada pelo Doomsday Clock desde 1947
Fundado em 1945 por Albert Einstein, J. Robert Oppenheimer e cientistas da Universidade de Chicago que ajudaram a desenvolver as primeiras armas atômicas no Projeto Manhattan, o Boletim dos Cientistas Atômicos criou o Relógio do Juízo Final dois anos depois.
Eles usaram as imagens do apocalipse (meia-noite ) e o idioma contemporâneo da explosão nuclear (contagem regressiva até zero) para simbolizar ameaças à humanidade e ao planeta, uma bem-sucedida estratégia de divulgação científica.
A primeira hora do relógio representava apenas a preocupação com a bomba nuclear. Ao longo dos anosm outras ameaças ao futuro do planeta e da humanidade foram incorporadas.
Veja a história do relógio.
Leia também | Filme conta história do Doomsday Clock, que anualmente revela a nova ‘hora do apocalipse’ do planeta; veja trailer