Londres – Duas novas pesquisas revelam a extensão dos danos causados à reputação do primeiro-ministro pelo escândalo ‘Partygate’, as festas realizadas na sede do governo durante o lockdown da Covid.

Segundo pesquisa do YouGov divulgada na sexta-feira (14/1), Johnson é reprovado por 72% da opinião pública e tem a seu favor apenas 20% da população, caindo portanto a um nível de popularidade de 52 pontos negativos, o pior em sua gestão. 

Outra pesquisa do mesmo instituto para o jornal The Times, publicada hoje, constatou que 70% dos eleitores acham que Johnson mentiu ao Parlamento a respeito de seu conhecimento e sua participação em festas. Apenas 6% acreditam que ele está sendo honesto na forma como tem lidado com as denúncias.

Novas revelações do Partygate 

A percepção neste momento pode ser ainda pior, pois essas pesquisas não capturaram ainda as impressões do público após novos fatos ocorridos na sexta-feira. 

Um deles foi a notícia de que duas festas de despedida aconteceram na sede do governo na noite de 16 de abril de 2021, véspera do velório do príncipe Philip, com a nação em luto oficial decretado pelo próprio governo, e em lockdown que impedia tais encontros sociais. 

A história revoltou a nação, que não esquece das imagens da rainha solitária na igreja durante o velório que reuniu poucos parentes devido às limitações impostas para controlar o coronavírus. Johnson foi obrigado a pedir desculpas à monarca.

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Mais tarde, surgiu a notícia de que as pelo menos 12 festas do Partygate reportadas pela mídia não foram episódios isolados. O jornal Daily Mirror revelou uma rotina de drinks ao fim do dia de sexta-feira para os altos funcionários da equipe de Boris Johnson, as chamadas “Wine-time Fridays” durante a pandemia. 

Os eventos eram marcados com este nome nas agendas de computador de aproximadamente 50 integrantes da equipe, com horário reservado entre 16h e 19h, e Boris Johnson teria participado de alguns deles. 

O jornal publicou foto de uma adega que teria sido comprada no dia 11 de dezembro de 2020 para acomodar as bebidas, trazidas de um supermercado próximo em uma mala de rodinhas.

Naquele momento, as regras da Covid proibiam encontros em locais fechados reunindo pessoas que não morassem na mesma casa, e apenas seis poderiam se reunir se o encontro fosse ao ar livre. 

A revelação corrobora o entendimento dos eleitores de que Boris Johnson pode ter mentido ao Parlamento a respeito do Partygate, tornando cada vez mais improvável que ele não soubesse do que se passava ao redor de seu gabinete, e a tese de que os encontros eram de trabalho, mesmo com bebidas alcoólicas. 

Isso indica que as próximas rodadas podem trazer notícias ainda piores, desafiando a permanência de Johnson no cargo. 

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Rainha Elizabeth II no funeral do príncipe Philip (reprodução transmissão oficial)

O efeito Partygate em Boris Johnson

A pesquisa divulgada pelo YouGov na sexta-feira ouviu 1.666 adultos nos dias 11 e 12 de janeiro, e mostra que não há nada tão ruim que não possa piorar quando uma crise de imagem não é bem administrada. 

A verdade é que Boris Johnson sempre teve um índice de popularidade negativo desde que assumiu o cargo, à exceção de um breve período entre março e maio de 2021.

De junho de 2021 para cá, ele  se manteve sempre no terreno da impopularidade. Mas a situação vem se tornando crítica.

Em dezembro de 2021, ele já tinha batido o recorde de impopularidade de todo o seu mandato, com um índice de -42, antes de tornar a batê-lo em janeiro de 2022.

É um desastre para um político que saiu do jornalismo e sempre soube manejar bem a mídia e a opinião pública a seu favor, com atos que muitos classificam de populista, gestos exagerados, tom de voz que lembra um animador de programa de auditório e um cabelo desarrumado que se tornou marca registrada. 

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Imagem: Mark Hillary / Twitter

O apelido Partygate foi dado em referência ao escândalo de Watergate, nos Estados Unidos, que em 1972 levou à queda do presidente Richard Nixon depois de uma série de denúncias anônimas. 

Em sessão do parlamento na quarta-feira (12/1), o primeiro-ministro admitiu ter participado de uma dessas festas, segundo ele “em homenagem ao trabalho duro de sua equipe”. Em sua defesa, afirmou que não teria se dado conta de que se tratava de uma festa – o que provocou risos e fúria. 

Curiosamente, o período de aprovação mais alta de Johnson foi justamente quando a festa do Partygate aconteceu, mas ninguém poderia imaginar isso. 

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Allegra Stratton (screenshot ITV)

O problema é que encontros sociais ou mesmo profissionais com várias pessoas estavam proibido para os britânicos “normais”.   

Alguns chegaram a ser presos ou multados. Duas jornalistas importantes de uma das principais emissoras de TV do país, a Sky News, foram suspensas por causa disso. 

Beth Rigby, comentarista política, e Kay Burley, que apresenta o noticiário matinal da emissora, ficaram fora do ar por seis meses como punição por terem se encontrado para comemorar o aniversário de Burley em dezembro de 2020. 

Abalo na imagem do Partido Conservador 

Para piorar o cenário para Boris Johnson, seu partido, o Conservador, também vem apanhando muito com o Partygate, aprofundando-se nas águas da impopularidade: seu índice em janeiro despencou junto com o do primeiro-ministro, chegando a -41.

Entre os eleitores do partido, o primeiro-ministro também está numa situação bastante desconfortável. É reprovado pela maioria deles (52%) e aprovado por uma parcela de apenas 20%.

Por outro lado, o principal adversário político de Johnson, o líder do partido Trabalhista Keir Starmer vem sendo impulsionado pelo Partygate numa trajetória oposta.

Embora ainda numa faixa também impopular, seu índice de -19 é bem melhor do que o de Johnson. Ele é reprovado pela maioria da população (-52%), mas tem a terça parte dos britânicos (33%) a seu favor.

Partygate faz Boris Johnson mais impopular que antecessora

Para se ter uma ideia do tamanho da impopularidade do atual primeiro-ministro, o índice atual dele é pior do que o atingido por sua antecessora, Teresa May, às vésperas de ser defenestrada do cargo.

Em maio de 2019, quando chegou ao fundo do poço de sua popularidade, May era reprovada por 70% da população e aprovada por 21%, o que correspondia a um nível de popularidade de -49.

Ou seja, com todas as trapalhadas dos últimos tempos, Johnson conseguiu cair a um ponto ao qual sua antecessora May nunca chegou ao longo de todo o seu mandato, apesar de todas as críticas de que não teria sabido conduzir as negociações do Brexit.

Partygate: equipe de Johnson ajudou a piorar crise 

Antes de os rumores sobre festas, que circulavam de forma discreta, começarem a virar notícia com base em fontes confiáveis da mídia e evidências como fotos ou vídeos, a  imagem de Boris Johnson já vinha comprometida por notícias sobre doações mal explicadas para obras em sua residência oficial. 

Mas a questão das festas pegou em dois ponto sensíveis para a população: a confiança no líder da nação e o sofrimento de quem perdeu entes queridos, empregos ou deixou de encontrar parentes e amigos durante meses por causa do lockdown severo.

Quando as notícias começaram a surgir, a equipe de comunicação de Boris Jonhson e ele próprio as justificavam  como encontros de trabalho, sem que o primeiro-ministro tivesse participado de nada que não fosse profissional. 

Até que veio uma novidade expressa em uma sigla de quatro letras: BOYB, de Bring Your Own Booze (traga sua própria bebida). Foi a cereja do bolo do “Partygate” de Boris Johnson.

A sigla comprometedora estava em um e-mail revelado pela emissora ITV. Ele foi enviado a mais de 100 destinatários por Martin Reynolds, secretário pessoal de Johnson. 

Era um convite para um encontro aproveitando o “lovely weather” que fazia em 20 de maio de 2020. Justamente no auge da crise, quando o Reino Unido chorava por mortos, internados e pelos prejuízos de uma Covid descontrolada. 

Na sessão do Parlamento na quarta-feira (12/1), o primeiro-ministro pediu desculpas desajeitadas à nação, mas a conversa mudou para fortes críticas às respostas dadas aos opositores na tentativa de ganhar tempo com o pedido de aguardar o resultado da comissão que investiga a realização das festas. 

Um dos pontos mais criticados da fala de Johnson foi a afirmação de que o encontro teria acontecido para reconhecer o trabalho dos funcionários.

Não apenas isso não está indicado no email, como é um direito que nenhuma outra empresa ou instituição do país teve no auge da crise da pandemia, quando muitos arriscaram a vida em hospitais e no transporte, e não puderam se reunir para confraternizar. 

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A pesquisa do YouGove para o jornal da Times capturou a desconfiança na justificativa, ao constatar que 7 em cada 10 eleitores acham que as explicações não correspondem à verdade dos fatos. 

Outro ponto questionado no Parlamento foi o fato de Johnson ter destituído ou aceitado a demissão de assessores que haviam se comportado mal, e que por isso deveria fazer o mesmo agora. 

O caso mais retumbante foi o da então chefe da comunicação, Allegra Stratton, que em uma simulação de entrevista ano passado fez troça com a resposta que daria caso as supostas festas chegassem ao conhecimento da mídia. 

Nesta quinta-feira (13/1), um ato de outro assessor graduado causou constrangimento ainda maior.

Na véspera dos funerais do príncipe Philip, em que a foto da rainha solitária por respeito ao protocolo vigente de isolamento social comoveu o mundo, a turma de Downing Street 10, a sede do governo, se reuniu para não apenas uma, mas duas festas. 

Uma delas foi o “bota-fora” do então diretor de comunicação de Johnson, James Slack, que tinha a função de proteger a imagem do governo e acabou por criar um grande constrangimento em sua despedida. Depois das revelações do jornal, ele também se desculpou pela “raiva e mágoa” que provocou.

Horas mais tarde, um porta-voz confirmou que Boris Johnson se desculpou com a rainha. 

Desculpas podem reverter o Partygate? 

Ao Parlamento, à rainha ou ao povo, as desculpas de Boris Johnson sobre as festas do Partygate não estão mais convencendo, o que é refletido pelas novas pesquisas do YouGov. 

A cada má notícia e a cada ponto perdido na aprovação, aumenta a pressão para a sua renúncia, que pode acontecer voluntariamente ou não. 

Pelas regras do parlamentarismo, o primeiro-ministro pode ser submetido ao chamado “voto de desconfiança”, uma votação interna.

Para que isso aconteça, é preciso que 54 parlamentares mandem cartas solicitando a votação.

Se ele perder, significando que não tem mais a confiança do partido para liderar o próprio partido e o país, é obrigado a deixar o cargo. 

Nas últimas semanas o clima estava mais para o deixa-disso, com poucos parlamentares aliados se manifestando publicamente.

Com as novas revelações, isso vem mudando, em parte porque os próprios eleitores estão pressionando seus parlamentares pelas redes sociais.

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