Londres – O Superior Tribunal de Justiça do Reino Unido deu hoje a Julian Assange o direito de apelar mais uma vez contra a extradição para os EUA, onde responde a 18 processos movidos pelo governo americano por ter publicado documentos confidenciais sobre operações militares no Afeganistão e nos EUA.

A decisão significa que os dois juízes responsáveis pelo caso não consideraram suficientes as garantias dos EUA de que Assange não enfrentará a pena de morte e que poderia se defender das acusações de espionagem com base Primeira Emenda da Constituição, que garante liberdade de expressão.

Ao entrar no Tribunal para a audiência iniciada esta manhã, a mulher de Assange, Stella, disse esperar que a Corte tomasse a decisão certa, mas que se não o fizesse, a defesa acionaria o Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Por enquanto isso não será necessário, abrindo esperança para uma reviravolta no caso que parecia perdido. 

Depois que a decisão foi anunciada, ela falou diante do prédio cobrando novamente da administração de Joe Biden que retire as acusações contra Julian Assange. 

Dezenas de manifestantes estão desde cedo diante do prédio da Suprema Corte, no centro de Londres entoando slogans como “Free Julian Assange” e portando cartazes com alusões ao impacto do caso para a liberdade de imprensa e de expressão no mundo, já que a extradição e condenação podem virar precedente para criminalização de jornalistas e fontes.  

Um palanque foi montado pela campanha em prol da libertação de Julian Assange. Políticos, ativistas e familiares do fundador do WikiLeaks estão fazendo discursos, transmitidos ao vivo por canais nas redes sociais. 

Na hora em que a decisão foi anunciada os manifestantes comemoraram. Carros na rua buzinaram em apoio. A palavra de ordem passou a ser “drop the charges” (retire as acusações). 

Rebecca Vincent, diretora da Repórteres Sem Fronteiras, disse que “hoje Washington deve estar olhando com preocupação para o Reino Unido”, e que finalmente houve uma grande vitória no caso.

A pressão de todos os que estão falando em favor de Assange é sobre o presidente Joe Biden. 

Detalhes sobre a forma de apelação e prazos ainda serão definidos pela Corte, ou se ele conseguirá continuar respondendo ao processo fora da penitenciária onde se encontra há cinco anos. 

O Tribunal anunciará os próximos passos na tramitação do caso até 24 de maio. 

Qual a situação jurídica da extradição de Julian Assange?

  • Assange enfrenta 18 processos movidos pelo Departamento de Justiça dos EUA. O australiano de 52 anos, preso há cinco na penitenciária de Belmarsh, teve negadas todas as tentativas anteriores de impedir a extradição para ser julgado em solo americano.
  • A sessão de hoje foi marcada em 27 de março pelo Superior Tribunal após dois dias de audiências em que o Departamento de Justiça dos EUA e a defesa apresentaram argumentos contra e a favor da libertação do fundador do Wikileaks. 
  • O caso está sendo julgado por um painel de dois juízes, Victoria Sharp e Jeremy Johnson.
  • Na decisão de março, o Supremo solicitou aos EUA uma série de garantias para conceder a extradição, incluindo a de que ele não seria condenado à pena de morte e poderia se defender com base na Primeira Emenda da Constituição, que assegura liberdade de expressão.
  • A questão diz respeito à nacionalidade de Assange, e se por ser estrangeiro a Primeira Emenda se aplicaria ao seu caso. 
  • As garantias dadas pelos EUA foram consideradas “palavras vazias” pela defesa, por ativistas e por organizações de liberdade de imprensa. A audiência não foi cancelada, e as duas partes se enfrentaram no Tribunal nesta segunda-feira. 

Antes de julgamento do novo recurso, há ainda uma saída política: os EUA e o Reino Unido aceitarem devolver Assange para a Austrália, atendendo ao pedido formal feito pelo primeiro-ministro Anthony Albanese. Em abril, Joe Biden admitiu pela primeira vez essa possibilidade. 

Entenda o caso do fundador do Wikileaks 

  • O caso Assange está ligado à publicação no site WikiLeaks em 2010 de mais de 250 mil documentos militares e diplomáticos confidenciais vazados, conhecidos como Cablegate, Diário da Guerra do Afeganistão e Registros da Guerra do Iraque.
  • Entre eles está um vídeo mostrando um ataque contra civis, em que morreram dois jornalistas da agência Reuters.
  • Ao todo são 18 processos – 17 ao abrigo da Lei de Espionagem e uma ao abrigo da Lei de Fraude e Abuso Informático.
  • Depois de passar quase sete anos na embaixada do Equador, onde procurou refúgio de uma possível extradição para os EUA, Julian Assange foi forçado a sair em abril de 2019. 
  • A organização Repórteres Sem Fronteiras aponta que Assange não é cidadão americano, nunca viveu nos EUA e não tem quaisquer laços significativos com os EUA. Ele é um cidadão australiano que vivia e trabalhava em Londres quando o governo dos EUA abriu o processo contra ele. 
  • O caso é acompanhado por jornalistas, meios de comunicação e ativistas devido ao impacto sobre a liberdade de imprensa. Segundo a RSF, “a extradição e condenação de Assange estabeleceria um precedente perigoso que poderia colocar em risco outros editores e jornalistas em todo o mundo, independentemente da cidadania.”
  • Se extraditado para os EUA, Assange seria o primeiro editor julgado ao abrigo da Lei da Espionagem, que carece de defesa do interesse público, o que significa que qualquer pessoa acusada desta forma não pode defender-se suficientemente, de acordo com a organização. 
  • Entre os argumentos da defesa contra a extradição estão o risco de suicídio e sua segurança. Uma reportagem investigativa publicada no YahooNews expôs discussões de funcionários da CIA sob a administração Trump propondo o possível sequestro ou assassinato de Assange.

Embora Assange tenha permanecido na embaixada do Equador em Londres durante a presidência de Barack Obama, foi o Departamento de Justiça sob Donald Trump que apresentou a acusação contra ele  e começou a perseguir ativamente a sua extradição.

Quando o Presidente Biden assumiu o cargo, o Departamento de Justiça continuou a apresentar recursos seguidos, após a decisão de primeira instância do tribunal do Reino Unido para impedir a extradição de Assange por motivos de saúde mental – uma decisão que foi posteriormente anulada em um julgamento no Tribunal de Recursos.