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Como regimes autoritários e governos eleitos usaram leis para sufocar imprensa no mundo em 2021

Foto: Engin Akyurt

Londres – O ano de 2021 foi marcado pela criação ou uso de leis, regulamentações da mídia e decisões judiciais com o objetivo de censurar a imprensa e o discurso público em vários países. 

As iniciativas para restringir a liberdade de expressão e o trabalho da mídia independente e profissional visam também ao fortalecimento de governos autoritários e acabam refletindo na precariedade do ambiente de negócios, eliminando veículos que não resistiram a pressões que vão de prisões de jornalistas a ações fiscais.

Em certos casos, a pandemia também foi usada como argumento para legislar contra a liberdade de imprensa ou nas redes sociais, como ocorreu na Tailândia e na Índia.

Pressão social e política em favor da imprensa

Alguns dos projetos de lei foram paralisados e até revertidos em função da reação de políticos, ativistas e da população, como aconteceu na Polônia, cujo parlamento aprovou uma lei que obrigaria a venda do maior canal de TV do país. 

Nesse caso, a maior reação partiu de Washington, porque o principal prejudicado era a Discovery, que pertence ao conglomerado Warner Media. Americanos são bons em proteger o ambiente de negócios, e a lei foi vetada. 

Europa põe censura à imprensa na agenda

Nem todas as leis são negativas. A Europa, que começa a perder a imagem de lugar seguro para a imprensa, vem se mobilizando para estabelecer mecanismos legais de segurança e que evitem a censura. 

Em setembro, a Associação de Jornalistas Independentes da Europa (AIJ) divulgou um relatório Imprensa Livre da Europa Sitiada, destacando Hungria, República Checa, Polônia, Eslovênia, Bulgária e Grécia como países em situação mais crítica em relação à liberdade de imprensa entre as nações da União Europeia (UE). 

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Ainda em setembro, a Comissão Europeia, braço político do Parlamento Europeu e responsável por definir as prioridades para a União Europeia (UE), colocou oficialmente na agenda a segurança de jornalistas e a liberdade de imprensa, determinando que os países-membros se empenhem em proteger profissionais de imprensa física e juridicamente.

Foi anunciado que o bloco preparava um conjunto de leis para assegurar o trabalho dos jornalistas na Europa, o Media Freedom Act.

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No Afeganistão, Talibã censura imprensa e espanta mulheres jornalistas

O país onde novos regulamentos para a mídia afetaram mais dramaticamente a liberdade de imprensa foi o Afeganistão. Cinco semanas após a tomada do poder e de uma sucessão de restrições, o Talibã formalizou as regras para o jornalismo no país, que foram recebidas com preocupação pela comunidade internacional.

O regulamento é composto por 11 normas, incluindo a proibição de transmitir matérias contrárias ao Islã e a exigência de “cuidado” ao veicular informações não confirmadas por funcionários do governo.

Para a organização Repórteres Sem Fronteiras, as medidas “são extremamente perigosas porque abrem caminho para a censura e a perseguição de jornalistas”. 

A Federação Internacional de Jornalistas chegou a questionar o tipo de jornalismo que se pode fazer sob a lei do Islã. 

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Em novembro, veio um novo pacote, para todo o setor audiovisual. O conjunto de oito diretrizes foi emitido pelo Ministério da Propagação da Virtude e Prevenção do Vício, com restrições severas para as mulheres.

Elas não podem mais aparecer em programas ficcionais (como novelas) ou de entretenimento. E as apresentadoras de noticiários ficam obrigadas a cobrir a cabeça com o hijab (véu islâmico). No entanto, poucas continuam no ar.

O resultado da combinação de leis com violência e ameaças veladas foi um desmonte no jornalismo do país.

Ao todo, 231 veículos de comunicação fecharam no Afeganistão com a ascensão do Talibã, levando 6,4 mil  jornalistas a perderam seus empregos desde 15 de agosto, quando as tropas do grupo extremista chegaram a Cabul.

As jornalistas foram as mais atingidas, com mais de quatro em cada cinco (84%) tendo deixado seus empregos. Muitas fugiram do país devido a ameaças.

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Poucas mulheres continuam trabalhando como jornalistas sob o Talibã (reprodução Tolo News)

Rússia usa “Lei do Agente Estrangeiro” para censurar imprensa 

Desde 2017, o país governado com mão-forte por Vladmir Putin tem uma lei que permite rotular publicações e jornalistas como agentes estrangeiros, e também obriga a imprensa independente a revelar em suas reportagens os financiadores do veículo.

A chamada “lei do agente estrangeiro” tem servido de instrumento de censura à imprensa e até a jornalistas do Ocidente lá baseados.

Com a pressão do governo, o Medusa, site de mídia mais popular do país, estaria perdendo por mês cerca de € 2 milhões (R$ 12,2 milhões) com a fuga de investidores. O resultado teve impacto direto no emprego dos jornalistas: cortes de até 50% nos salários e suspensão da contratação de freelancers.

O ano passado foi marcado por perseguições e prisões, além de expulsão de uma correspondente estrangeira da BBC de Moscou e de um jornalista holandês. 

Nem a premiação de um jornalista russo com o Nobel da Paz, Dimitri Muratov, serviu para pacificar os humores do governo em relação à imprensa. No dia do prêmio, o governo lançou mão novamente da lei do agente estrangeiro para enquadrar profissionais e veículos. 

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Foto: Don Fontein / Unsplash

A organização Repórteres Sem Fronteiras fez um relatório denunciando os efeitos da aplicação da lei do agente estrangeiro sobre o ambiente de mídia do país. 

China mudou regulamento sobre investimentos privados na mídia 

O ambiente de imprensa na China já é restrito, restando praticamente só a mídia estatal. Mesmo assim, ainda houve espaço para um movimento no sentido de garantir o alinhamento da mídia ao Estado em 2021.

Exatamente no dia em que dois jornalistas ganharam o Prêmio Nobel da Paz, o governo de Xi Jinping anunciou o veto a investimentos privados em empresas de notícias.

Além disso, divulgou uma série de proibições ligadas à prática do jornalismo profissional, entre elas a das transmissões ao vivo por veículos com investimentos privados.

Até o ano passado a mídia de notícias não estava incluída entre os setores proibidos de contarem com recursos privados, embora o governo determinasse que os investimentos particulares em veículos de imprensa não poderiam superar os oficiais.

O país também figura como o que tem mais jornalistas presos no mundo.

Alguns ainda não passaram por julgamento, e outros foram condenados com base em leis de segurança nacional, motivando protestos seguidos de entidades de liberdade de imprensa e direitos humanos, às vezes respondidos com virulência por Pequim. 

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O caso que ganhou mais notoriedade é o da jornalista cidadã Zhang Zhan, condenada a cinco anos e meio de prisão por ter transmitido notícias da cidade de Wuhan no auge da crise do coronavírus. 

Ela está em greve parcial de fome e as notícias mais recentes são de que estaria pesando menos de 40 quilos e correndo risco de vida. 

O país mereceu um relatório especial da Repórteres Sem Fronteiras sobre o que as entidades internacionais de direitos humanos e defesa do jornalismo independente veem como censura à imprensa e repressão. 

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Em Hong Kong, combinação de novas e velhas leis para censurar imprensa 

O controle estreito da China sobre a imprensa local e internacional estendeu-se a Hong Kong, cujo governo local é controlado por Pequim.

Depois dos protestos pró-democracia que eclodiram em 2019, em reação ao entendimento de que o novo governo não estava respeitando o acordo firmado com a Grã-Bretanha que previa “um país, dois sistemas” e a manutenção das liberdades e do estilo e vida que o território mantinha até ser devolvido à China, a imprensa independente entrou no radar do governo. 

A forma de censurar a imprensa e calar opositores foi uma nova Lei de Segurança Nacional, aprovada em junho de 2020. Em 2021 ela foi amplamente invocada para enquadrar veículos de imprensa que insistiam em cobrir protestos e dar voz a críticos do governo de Hong Kong e da China. 

Na mídia, vozes pró-Pequim atacaram a Associação de Jornalistas de Hong Kong e o Clube de Correspondentes Estrangeiros . 

O governo se recusou a renovar vistos de trabalho para correspondentes estrangeiros, e organizações de notícias estrangeiras como o Wall Street Journal receberam cartas ameaçadoras de funcionários do governo de Hong Kong.

Com o uso da lei, o governo fez várias intervenções no maior grupo de mídia do país, o Next. O dono, um magnata da mídia de 74, Jimmy Lai, foi preso e condenado. 

Depois de batidas policiais, congelamento de ativos e prisão de profissionais, o principal jornal do grupo, o Apple Daily, fechou. Em seguida foi a vez da holding, que em julho anunciou encerramento das atividades.

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Mas nem precisaria uma lei nova, pois um dispositivo jurídico da época colonial fez igualmente parte do arsenal usado para sufocar a mídia.

As leis de sedição de Hong Kong datam do início do século 20, estabelecendo que qualquer pessoa que publique ou distribua conteúdo que “traga ódio ou estimule o descontentamento” com o governo ou a administração da justiça, ou promova a inimizade entre diferentes classes de pessoas em Hong Kong, pode ser processada criminalmente.

Em dezembro, o jornal Stand News não resistiu e anunciou o fechamento no mesmo dia em que sua redação foi alvo de uma operação policial e vários dirigentes foram presos, com base nessa lei. 

Pouco antes do amanhecer, o Stand News transmitiu ao vivo em sua página no  Facebook que a polícia de segurança nacional estava do lado de fora, falando com o vice-diretor, Ronson Chan. Policiais apreenderam documentos e equipamentos. 

O medo de que a Lei de Segurança Nacional ou a Lei de Sedição também batesse à sua porta levou um terceiro veículo a fechar.

Na semana seguinte ao episódio, o Stand News anunciou a decisão de encerrar operações, atribuindo a decisão à censura e preocupação com a integridade dos profissionais de imprensa. 

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Mianmar: golpe acabou com liberdade de imprensa 

Em fevereiro de 2021, generais depuseram a líder eleita Aung San Suu Kyi, colocando fim a um período democrático de 10 anos em que a imprensa independente chegou a florescer em Mianmar, embora ainda com restrições.

Ao fim do ano a estimativa era de que mais 100 jornalistas haviam sido detidos desde o golpe, sob o Código Penal de Mianmar. 

O Artigo 505 (a) criminaliza “qualquer tentativa de causar medo, espalhar notícias falsas [ou] agitar direta ou indiretamente uma ofensa criminal contra um funcionário do governo” ou qualquer ação que cause “ódio, desobediência ou deslealdade para com os militares e o governo.”

A maioria dos veículos de imprensa independentes fechou por determinação da junta ou por perseguições e prisões de seus profissionais. Alguns foram libertados, mas a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) afirma que mais de 50 jornalistas ainda estariam sob custódia em dezembro. 

Até estrangeiros foram condenados, incluindo um americano, Danny Foster. Por pressões diplomáticas, ele acabou sendo libertado e voltou ao seu país. 

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Soe Naing (foto:Twitter)

No Vietnã, Lei de Segurança nacional justificou condenações 

“Propaganda anti-Estado” foi o argumento jurídico utilizado no Vietnã em 2021 para condenar vários jornalistas.

Em 31 de dezembro, Le Trong Hung, de 42 anos, que fazia a cobertura sobre corrupção para o canal de TV de mídia social Chen Hung Viet Nam (TV Renascentista do Vietnã), foi condenado a cinco anos de prisão. 

Duas semanas antes foi a vez de Pham Doan Trang. O caso dela teve repercussão internacional, pois além de jornalista é uma reconhecida ativista de direitos humanos, premiada em 2019 pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) por sua luta pela liberdade de imprensa no Vietnã. 

Pham Doan Trang foi sentenciada por um tribunal de Hanói  depois de 434 dias detida.

Em julho , outro profissional de imprensa foi condenado no Vietnã. Pham Chi Tanh era editor de uma rádio estatal Voice of Vietnam. A pena de Tanh foi de cinco anos e seis meses de prisão por difusão de propaganda contra o Estado.

Também em julho, o jornalista independente Le Van Dung, proprietário da CHTV, também foi preso após veicular reportagem crítica à realidade social do país. O governo chegou a anunciar em rede nacional a procura pelo comunicador.

Nicarágua lançou mão de leis e ações fiscais para silenciar imprensa 

A censura à imprensa e perseguição a jornalistas pelo governo da Nicarágua mobilizou as principais entidades internacionais de defesa da liberdade de imprensa, de expressão e dos direitos humanos em 2021. 

Jornais se tornaram objeto de processos judiciais abusivos que tentando obrigá-los a pagar multas exorbitantes.

Em agosto, o jornal La Prensa, um dos principais veículos de oposição, teve seus escritórios  invadidos pela Polícia Nacional.  

A eletricidade e o acesso à internet foram cortados, os funcionários foram dispensados, e jornalistas e funcionários foram mantidos dentro do prédio por várias horas sem poder usar seus telefones celulares.

Seu diretor, Juan Lorenzo Holmann, foi preso. O Ministério Público anunciou que ele ficaria detido por 90 dias, durante a investigação contra o La Prensa por “fraude alfandegária e lavagem de dinheiro”.

Um dos jornalistas mais importantes da Nicarágua, Carlos Fernando Chamorro, teve que fugir do país após ter sua casa invadida em junho.

Carlos Chamorro (Photo: Wikipedia)

Editor do site Confidencial e membro de uma das famílias políticas mais influentes do país, Chamorro disse que deixou a Nicarágua para “salvaguardar sua liberdade”.

Em uma das ações mais agressivas contra a imprensa independente na Nicarágua, o procurador público do país intimou, na qualidade de testemunhas ou de investigados, pelo menos 16 jornalistas do país em um suposto caso de lavagem de dinheiro.

Cuba restringiu liberdade de expressão nas redes 

Cuba vem se mantendo na posição de pior país latino-americano em termos de liberdade de imprensa, conforme o ranking mundial da Repórteres Sem Fronteiras. 

Em agosto, reagindo aos protestos que tomaram conta da ilha no mês anterior, o governo aprovou nova lei mandando os provedores de internet cortarem o acesso daqueles que “espalham notícias falsas ou prejudicam a imagem do Estado”. 

O ato teve efeito sobre o jornalismo cidadão, praticado por blogueiros e donos de contas em mídias sociais que transmitem notícias fora dos canais estatais. 

Pelo menos 10 jornalistas foram mantidos em prisão domiciliar ou sob custódia em instalações do Estado após os protestos de julho. 

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Protestos em Cuba no mês de julho foram considerados os maiores em décadas no país. (Reprodução)

Equador: nova lei de imprensa para esquecer o passado

Alguns ventos foram favoráveis para a liberdade de imprensa na América Latina em 2021.

Depois de uma longa temporada de censura e intimidação, o Equador viu em 2021 alguma esperança que a situação melhore. O governo de Guilherme Lasso assumiu em maio prometendo um projeto de liberdade de expressão, substituindo a draconiana Lei da Comunicação, que serviu de tacape no governo Rafael Correa. 

A Lei Orgânica da Comunicação (LOC), aprovada em 2013 e promulgada pelo então presidente Rafael Correa, trouxe ao Equador um dos períodos mais sombrios para a liberdade de expressão.

De mãos dadas com uma das entidades criadas pela lei, a Superintendência de Informação e Comunicação (Supercom), várias vezes foram aplicadas multas e sanções classificadas como “desproporcionais” contra jornalistas e meios de comunicação.

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Outra boa notícia veio em novembro. 

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabilizou o Estado pelas violações de direitos em prejuízo do jornalista Emilio Palacio Urrutia, ex-editor de Opinião, e de proprietários do jornal El Universo, de Guayaquil (Equador). Eles serão indenizados em valor a ser fixado pela Corte.

A Corte que “no caso de discurso protegido por seu interesse público, como o que se refere à conduta de funcionários públicos no exercício de suas funções, a resposta punitiva do Estado por meio do direito penal não é convencionalmente apropriada para proteger a honra do funcionário”.

Em outras palavras, as autoridades devem desistir de ações penais na tentativa de proteger sua honra, sobretudo quando está em jogo a liberdade de imprensa.

Belarus baniu Euronews e extinguiu associações de jornalistas 

Enquanto alguns países tentam esquecer o passado, outros se mantém agarrados a ele.

Em Belarus, o presidente Alexander Lukaschenko, considerado “o último ditador da Europa” – está desde 1994 no cargo –  baniu do país a Euronews, emissora líder na difusão de notícias na Europa, em abril.

O Ministério do Interior simplesmente decidiu não renovar a licença de operação da Euronews. A justificativa foi banal: a emissora veiculava anúncios em inglês, e assim estaria desrespeitando a legislação que obriga anúncios em russo ou bielorrusso.

A decisão foi apontada como censura aos meios de comunicação e duramente atacada pela Associação de Jornalistas da Bielorrússia (BAJ), pela Federação Europeia de Jornalistas (EFJ) e pela Federação Internacional de Jornalistas (IFJ).

Mas em seguida, as associações seriam as vítimas. Uma decisão da Suprema Corte do país, alinhada politicamente ao regime, determinou em agosto o fechamento de todas as associações de imprensa

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Manifestação em Belarus após a reeleição de Lukashenko. (Dmitry Levkovets /Unsplash)

Paquistão morde e assopra a imprensa 

O governo paquistanês, marcado por forte tendência de controle da mídia independente, apresentou em outubro um projeto para unificar a regulamentação da mídia.

Se o projeto for aprovado, o governo do primeiro-ministro Imran Khan terá autoridade exclusiva para regulamentar filmes, mídia impressos e digitais, além de registros e salários dos profissionais de imprensa, publicidade governamental e procedimentos de reclamações civis e criminais. A grita foi geral.

No mês seguinte, para amenizar a crise, o Senado aprovou uma nova lei de proteção a jornalistas e profissionais de mídia, destinada a garantir segurança, privacidade, sigilo das fontes e independência no exercício das funções profissionais.

O artigo 6, entretanto, preocupa organizações em defesa da liberdade de imprensa. Ele diz que trabalhadores da mídia não devem “produzir material que possa incitar discriminação, hostilidade ou violência, bem como a mídia não deve se envolver na divulgação de material conhecido por tais indivíduo ser falso.”

Em abril, o governo havia decidido suspender por quatro horas o acesso da população às plataformas digitais, sob a alegação de ameaças produzidas por terroristas.

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Polônia recua de lei que gerou reação internacional 

Em 11 de agosto, o parlamento polonês aprovou uma emenda para alterar a lei sobre a propriedade de mídia no país. Com a aprovação pelo Senado, o grupo norte-americano Discovery seria obrigado a vender sua participação controladora na TVN, que opera vários canais, entre eles a TVN24.

O canal exibe um dos telejornais mais populares hoje no país. A TVN disse que a decisão do parlamento constituiu “um ataque sem precedentes contra a liberdade de expressão e a independência da mídia”.

Depois de pressões dos EUA, da União Europeia e da sociedade polonesa, o presidente Andrzej Duda vetou a regulamentação que tinha sido aprovada dez dias antes.

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Em Singapura, lei de censura prévia 

O parlamento de Singapura aprovou em outubro uma controvertida lei permitindo ao governo censurar a internet e as redes sociais, colocando em risco a liberdade de imprensa e de expressão. 

A Lei de Contrapartidas contra Interferência Estrangeira (“FICA”, na sigla em inglês) permite ao governo punir veículos de imprensa e jornalistas antes mesmo de reportagens serem publicadas, o que configura censura prévia.

A lei foi proposta sob a justificativa de combater interferências conduzidas por meio do que o governo aponta como campanhas de informação hostis e o uso de proxies (tecnologia que dá acesso à internet) locais. 

Com a nova lei, as autoridades passam a controlar a comunicação cibernética no país. Ganharam o direito de determinar aos provedores de internet e mídia social que entreguem informações dos usuários, bloqueiem conteúdo e removam aplicativos.

Austrália responsabiliza imprensa por comentários de leitores

Depois de uma batalha jurídica de vários anos, a Justiça australiana tomou em 2021 uma decisão com potencial de afetar diretamente a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão: veículos de comunicação do país tornaram-se responsáveis pelos comentários de leitores em reportagens publicadas nas redes sociais e sites dos veículos de comunicação.

Por 5 votos a 2, o Tribunal Superior da Austrália definiu em setembro que as empresas de mídia não são apenas responsáveis ​​pelo conteúdo escrito por seus jornalistas. Agora, elas também são “editores” responsáveis pelos comentários  feitos por seus leitores na internet.

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Analisando a decisão, o professor de direito da Universidade de Sidney, David Ralph, afirmou que a medida levará administradores de páginas do Facebook e Instagram a desativar os comentários completamente, ou que os donos de contas do  Twitter passem a permitir comentários de apenas algumas pessoas selecionadas.

Como os comentários representam uma parte central do modelo de negócios digitais, por ajudar a aumentar o faturamento com publicidade, o professor prevê que as organizações jornalísticas australianas terão que gastar mais dinheiro na moderação desse conteúdo.

Como desdobramento, o governo de Scott Morrison anunciou em novembro um projeto de lei destinado a obrigar as empresas de mídia digital a identificarem trolls anônimos e usuários que fazem alegações difamatórias, incluindo aquelas postadas em seções de comentários de contas de mídia social de veículos de imprensa, empresas e organizações. 

A ideia é controvertida, com adversários (incluindo as próprias plataformas digitais) argumentando que o fim do anonimato afeta a liberdade de expressão de pessoas em risco ou perseguidas por crenças políticas. 

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Pandemia é argumento para censura à imprensa na Tailândia 

Uma nova regulamentação que atinge a divulgação de notícias na Tailândia foi rechaçada pelos defensores da liberdade pelo mundo, mas a regulamentação foi mantida.

Pegando carona na Covid-19, o novo conjunto de medidas entrou em vigor em 12 de julho e criminalizou a “distorção de informações e notícias que contenham mensagens que incitem o medo no povo, ou distorçam intencionalmente informações para criar mal-entendidos em situações de emergência que afetam a segurança do estado, a paz e moralidade pública.” 

Índia: Covid também serviu de argumento para conter notícias ruins 

O mesmo aconteceu na Índia. A estratégia do governo nacionalista de Narendra Modi foi criar um decreto para controlar as Big Techs e, com isso, restringir a liberdade de expressão. No dia 25 de fevereiro, o decreto foi publicado no Diário Oficial.

A regulamentação alcança redes sociais e serviços de mensagem, assim como plataformas de streaming de vídeo e o jornalismo digital. 

Para a ONG indiana Internet Freedom Foudation (IFF), as normas permitem que o Governo controle – e não apenas regule – o que circula nas plataformas. A entidade atacou a lei, que considera inconstitucional e capaz de afetar a liberdade de expressão no país. 

Com a piora da pandemia, em abril, o governo indiano exigiu também que sites de mídias sociais como Twitter, Facebook e Instagram bloqueassem postagens com críticas à gestão da atual crise de saúde pública.

E em julho,autoridades fiscais fizeram buscas nas sedes de um grupo de jornais, de uma emissora de TV e em casas de alguns funcionários, sob a alegação de evasão fiscal.

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Jornalista publica batida policial em sede do grupo Dainik Bhaskar, na índia. (Reprodução/Twitter)

Os agentes interrogaram funcionários e jornalistas e levaram celulares e laptops, afetando o noticiário digital por várias horas. Os veículos são a emissora de TV Bharat Samachar e o Dainik Bhaskar, maior conglomerado de mídia da Índia, com 65 títulos no idioma hindi e forte presença em rádio e jornalismo digital. A operação foi feita em 32 escritórios e residências em seis cidades.

Dois meses depois, jornalistas do grupo foram presos por erro em uma reportagem, o que normalmente se resolve com a publicação de uma errata. 

Sandeep Sharma e Sunil Brar foram detidos pela polícia estadual da província de Haryana devido a um erro sobre o local onde ocorrera a prisão de um suspeito de terrorismo, gerando protestos de entidades de defesa da liberdade de imprensa preocupadas com o agravamento das perseguições a veículos independentes no país e também a redes sociais. 

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Nas Maldivas e nos EUA, quebra do sigilo da fonte 

Em meio a um debate sobre reforma da legislação criminal no país, um artigo dentro da “Evidence Bill”, ou Lei das Evidências, a ser votada pelo Parlamento maldivo, permitirá que a Justiça obrigue jornalistas a quebrar o sigilo de fonte se os magistrados considerarem a informação relevante para investigações criminais.

O sigilo da fonte é uma prerrogativa do jornalismo profissional, sem o qual muitas vezes é impossível se fazer bom jornalismo investigativo.

Nos Estados Unidos, a fotógrafa Amy Harris teve que entrar com um processo contra o comitê da Câmara dos Deputados responsável pela investigação sobre a invasão do Capitólio, para impedir que a operadora Verizon seja obrigada a entregar registros de todas as mensagens e ligações realizadas a partir de seu celular pessoal entre 1º de novembro de 2020 e 31 de janeiro de 2021.

O interesse do comitê deve-se a um projeto que a fotógrafa realizava antes da invasão do Capitólio, documentando o grupo extremista Proud Boys, que é acusado de ser um dos responsáveis pela insurreição que deixou cinco mortos. Ela falava com os membros do grupo, e por isso corre o risco de ter exposta toda a sua comunicação profissional e também mensagens pessoais. 

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New York Times: censura prévia por decisão judicial 

Medidas judiciais para silenciar a mídia não partiram somente de governos autoritários ou de tribunais alinhados a eles. 

Em decisão contestada por entidades internacionais que defendem a liberdade de imprensa, um juiz da Suprema Corte de Nova York  proibiu temporariamente o jornal New York Times de publicar reportagens sobre o Projeto Veritas, uma organização conservadora que tem como alvo grupos que percebe como sendo de esquerda, incluindo jornalistas e veículos de imprensa.

O Veritas acusou o Times de “indevidamente” tentar obter comunicações privilegiadas trocadas entre um advogado e seu cliente e, em seguida, publicar os materiais para envergonhá-lo.

O grupo tem apoio dos partidários de Donald Trump e ligações com a família Bolsonaro. Um de seus líderes foi recebido em 2021 pelo presidente na residência oficial.

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O juiz Charles Wood ordenou em despacho no dia 18 de novembro que o Times removesse as supostas informações privilegiadas de seu  site na internet e que se abstivesse de “mais esforços” para obter informações semelhantes. 

Em dezembro, as proibições foram ampliadas, com uma ordem de destruir ou devolver os documentos. 

O jornal conseguiu reverter a ordem de destruição do que tem em seu poder, mas segue proibido de escrever sobre a forma de atuação do Projeto Veritas com base nas correspondências. 

Assange, limbo jurídico

Entre todas as batalhas jurídicas envolvendo o jornalismo em 2021, nenhuma se compara à saga de Julian Assange.

Em janeiro, a justiça britânica negou aos Estados Unidos o direito de extraditá-lo para responder a processos por espionagem devido ao vazamento de documentos confidenciais no Wikileaks, com base na lei de segurança nacional. 

Depois de várias audiências, recursos e apelações, a decisão foi revogada em dezembro, abrindo caminho para que ele seja levado para os EUA, sujeito a penas que somadas poderiam chegar a 175 anos. 

Ele segue na penitenciária de Belmarsh, em Londres, onde completou 50 anos em agosto, data comemorada com manifestações de apoio em vários países.

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A defesa, liderada por sua companheira, Stella Moris, promete tentar novos recursos ou apelar em cortes europeias.

Enquanto isso, ele continua sem perspectiva sobre o seu destino, em um caso que deve ainda ocupar muitas manchetes em 2022. 

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